Veto à autodeterminação de género nas escolas põe Portugal como caso de retrocesso

A ILGA Mundial sublinha que “este veto é um dos vários emitidos pelo presidente contra leis progressistas sobre diversidade sexual e de género”.

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Ainda antes de Junho, mês do orgulho LGBTQIA+, a ILGA revelou um relatório sobre a realidade legislativa para a comunidade Teresa Pacheco Miranda
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A ILGA Mundial detectou casos de retrocesso na protecção contra a discriminação sobre as pessoas LGBTI em pelo menos cinco países, um deles Portugal pelo veto do presidente da República no nome neutro e autodeterminação de género nas escolas.

No relatório Laws on Us ("Leis sobre nós", numa tradução livre), que esta federação global de mais de 1.900 organizações de defesa dos direitos das pessoas Lésbicas, Gays, Bissexuais, Trans e Intersexo (LGBTI) divulga hoje, é analisada a realidade legislativa nos vários países do mundo entre Janeiro de 2023 e Abril de 2024.

A organização dá conta de que foram registados casos de retrocesso em relação à protecção contra a discriminação em pelo menos cinco Estados-membros das Nações Unidas, um dos quais Portugal por causa da lei para garantir a identidade e expressão de género na educação que acabou vetada por Marcelo Rebelo de Sousa, em Janeiro de 2024.

A ILGA Mundial refere que o decreto foi inicialmente aprovado pela Assembleia da República para "implementar medidas de respeito pela identidade e expressão de género das crianças na educação".

"O seu principal objectivo foi estabelecer o enquadramento legal das medidas administrativas que as escolas devem adoptar para promover o exercício do direito à autodeterminação da identidade de género e da expressão de género e do direito à protecção das características sexuais", refere a organização.

Acrescenta que "as disposições deste projecto de lei visavam garantir que os jovens em transição social de género tivessem a sua autonomia e privacidade respeitadas", tendo sido, para tal, ajustados os procedimentos administrativos necessários para "acomodar o seu género auto-identificado, permitindo mudanças de nome e género nos documentos oficiais".

A ILGA destaca que estava também garantido o acesso a casas de banho adequadas, desde que assegurado o bem-estar de todos os alunos, obrigando a que fossem feitas as necessárias adaptações.

"No entanto, o Presidente de Portugal vetou o projecto de lei. Na sua resolução de veto, o Presidente argumentou que as crianças com menos de 16 anos não podem tomar decisões sobre actividades escolares, balneários ou casas de banho sem o suficiente envolvimento dos pais", lê-se no relatório.

A ILGA Mundial sublinha que "este veto é um dos vários emitidos pelo presidente contra leis progressistas sobre diversidade sexual e de género".

Por causa disto, Portugal é incluído num grupo de países onde foram registados casos de retrocesso contra a discriminação em relação às pessoas LGBTI, onde estão também a Geórgia, a Coreia do Sul, Espanha e Reino Unido.

Por outro lado, Portugal é destacado pela criminalização das chamadas terapias de conversão, a par de países como Bélgica, Chipre, Islândia, Noruega, México e Espanha que "promulgaram proibições em todo o país".

A ILGA Mundial aponta que, enquanto o número de Estados-membros das Nações Unidas que promulgam regulamentos contra as "terapias de conversão" continua a crescer, a "reabilitação patrocinada pelo Estado parece estar a fazer incursões em África e a avançar como política oficial na Malásia".

Houve avanços positivos mas há uma "oposição implacável" que retarda o progresso

Os direitos das pessoas LGBTI registaram, desde Janeiro de 2023, avanços positivos em muitos países, mas uma “oposição implacável” prejudica os progressos, quando um terço dos países ainda criminaliza a homossexualidade, alertou hoje a ILGA World. Nos últimos 16 meses, houve “alguns progressos no reconhecimento legal do género e na protecção de menores intersexuais”

No entanto, segundo adverte a ILGA World, “a oposição implacável está a prejudicar os progressos feitos no sentido da igualdade de direitos para as pessoas LGBTI, uma vez que as vidas de lésbicas, gays, bissexuais, trans e intersexuais continuam a estar no centro dos debates jurídicos em todo o mundo”.

“As nossas comunidades celebraram importantes vitórias durante os últimos dois anos”, afirma Lucas Ramón Mendos, gestor de investigação da ILGA World e co-autor principal do documento, ressalvando: “E, no entanto, a resistência e a detracção materializaram-se em quase todo o lado”.

Nove Estados-membros da ONU, incluindo Espanha e Chile, têm protecções contra intervenções desnecessárias e não consensuais em menores intersexuais. Andorra, Estónia, Grécia e Eslovénia tornaram o casamento igualitário uma realidade, enquanto o Nepal facilitou essas uniões. A Bolívia, a Letónia e algumas prefeituras do Japão legalizaram as uniões civis entre pessoas do mesmo sexo.

Mas, por outro lado, assiste-se a um “aumento alarmante das restrições à liberdade de expressão e de associação” em matéria de orientação sexual, identidade e expressão de género e características sexuais”, indica a também co-autora principal do relatório, Dhia Rezki Rohaizad, descrevendo: “Isto resultou em censura, detenções e perseguições em muitos Estados-membros da ONU”.

“Todos os dias, as vidas das pessoas LGBTI são utilizadas para distrair, mobilizar e dividir. Em tempos preocupantes como estes, é fundamental dispor de dados fiáveis sobre as leis mundiais que afectam as nossas comunidades e ter uma compreensão clara dos desafios que temos pela frente e à nossa volta”, salientam as co-secretárias-gerais da ILGA World, Luz Elena Aranda e Tuisina Ymania Brown.

Num ano em que metade do mundo realiza eleições, a organização de defesa dos direitos das pessoas LGBTI alerta que os avanços que se fizeram em todo o mundo estão “muitas vezes apenas a uma eleição de distância de serem revertidos”.