Para os que escrevem sobre as alterações climáticas e fenómenos extremos, para os que, principalmente, sobreviveram a esses fenómenos extremos, as memórias dos Verões passados não serão fáceis. Há quase um ano falávamos aqui de mudanças em tempo real, com as suas ondas de calor, incêndios terríveis, ciclones e inundações, que polvilharam o planeta. E muitos, demasiados mortos.

Pedrógão Grande aconteceu em 2017 num dia de Junho, por exemplo. Tenho a memória alegre de uma tarde quente, num sábado com direito a marcha LGBTQIA+ em Lisboa, que até terminou com uns pingos de chuva inusitados, mas bem-vindos. Chegado a casa, a televisão já estava a passar imagens das enormes labaredas. Mas o tamanho do horror, o número de pessoas que morreram naquele incêndio, a gravidade daquelas imagens, isso só iríamos compreender nos dias que se seguiram.

Hoje, sabemos que aquele episódio foi propulsionado pelas alterações climáticas, como tantos outros. Há a tempestade Daniel, na Líbia, em Setembro de 2023, as cheias no Paquistão, em Setembro de 2022, os incêndios na Grécia, em Agosto de 2021 (e em 2023 também), mais incêndios destruidores nos Estados Unidos, durante o Verão de 2020. Circunscrevo-me ao Verão do hemisfério Norte e não me alongo mais, não vou mais para trás, não é necessário. O argumento já se cansou de ser enunciado, resta-nos a realidade.

Aqui estamos nós, por isso, chegados a uma nova temporada quente, com uma canícula a fechar Maio, que inclui avisos de calor e atiça a pergunta: o que nos reserva o Verão de 2024? Na Índia, a resposta veio esta semana com temperaturas a bater os 50 graus Celsius em Nova Deli. Um nível de calor que em Portugal ainda temos dificuldade em compreender, felizmente. Os indianos já só desejavam a entrada da época das monções, a 1 de Junho, para acalmar as temperaturas. Eu também o desejo, por eles.

Por aqui, o Verão deverá ser mais quente do que o normal, avisa o Instituto Português do Mar e da Atmosfera. 

Em Março, um relatório da Agência Europeia do Ambiente explicava que uma das respostas mais urgentes às alterações climáticas era justamente a adaptação aos extremos de calor, tendo em conta o horizonte do fim deste século. "Já aumentámos a temperatura em 1,2 graus em relação à época pré-industrial e com as políticas actuais chegaremos aos 2,7 graus Celsius em 2100", explicou ao PÚBLICO Luís Campos, médico e presidente do Conselho Português para a Saúde e Ambiente (CPSA), argumentando a importância de estarmos preparados para as situações perigosas para a saúde causadas pelas ondas calor, como o golpe de calor, tanto a nível das instituições de saúde, como a nível individual.

Um dos objectivos do CPSA é criar um Observatório Nacional da Saúde e Ambiente, que avaliará todos os anos os impactos das alterações climáticas em vários aspectos da saúde dos portugueses, inclusive na saúde mental. Luís Campos chama a atenção sobre um estudo de 2021, da revista The Lancet, que mostrava que 65% dos jovens portugueses entre os 16 e os 25 anos estavam muito preocupados ou extremamente preocupados em relação às alterações climáticas. A isto chama-se ansiedade climática.

Um amigo, que está a terminar o seu decénio dos 20, disse-me há uns meses qualquer coisa como desejar ter vivido a sua juventude durante a primeira década deste século, por ter sido mais leve. Ele referia-se às alterações climáticas e aos desenlaces do mundo. Respondi-lhe que aquela também tinha sido uma década complicada. Foi uma resposta fácil. Por dentro, fiquei calado. É este o sabor dos tempos, que acompanha o sabor do Verão. Não é fácil.

Mas Luís Campos também tem uma resposta para este novo vazio. É uma mensagem não só para os profissionais de saúde, mas para toda a gente. É uma mensagem não só para o indivíduo, mas também para as instituições: do pessoal ao colectivo, do local ao global. Deixo-a aqui: "Não podemos apenas incutir o medo e transmitir uma sensação de impotência, porque isso paralisa a acção. (…) Se cada um fizer a sua parte, acredito que poderemos inverter, pelo menos tentar inverter, esta evolução que está a acontecer."