A democracia é a casa do povo que lá não mora

Poesia Pública é uma iniciativa do Museu e Bibliotecas do Porto comissariada por Jorge Sobrado e José A. Bragança de Miranda. Ao longo de 50 dias publicaremos 50 poemas de 50 autores sobre revolução.

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A democracia é a casa do povo que lá não mora.
A revolução é a chave partida na fechadura,
a rodar em falso numa réstia de cravos.

Revolução é lembrança da mãe primaveril,
antes da reforma,
no tempo em que cantava um canto inicial,
pétala arterial
no caule da madrugada.

Democracia é palavra que descola
quando o povo desencosta,
escassa na empresa e na escola,
esquecido o torno e a jorna,
o calabouço e a coça – a servidão do cereal;
esquecido o cântaro e o dedal
e o porão colonial.

Revolução é praça que não torna.

A democracia é a casa do povo que lá não mora
mas desarmado a guarda
depois que a desarmou – e agora começou a desamar.

A democracia é a casa do povo que lá não mora.
Palácio sem umbral,
ratado pela desventura,
reboco onde pica o demagogo
e vocifera o impostor.

A democracia é a casa do povo que demora.
A revolução é a chave partida na fechadura
a rodar em falso uma volta inteira
na poeira matinal.


Rui Lage (1975) é escritor, professor e político. A sua obra foi distinguida com o Prémio Revelação Agustina Bessa-Luís, o Prémio da Fundação Inês de Castro, o Prémio Ruy Belo e o Prémio Autores, da SPA. Doutor em Literatura Portuguesa pela Faculdade de Letras da Universidade do Porto, foi deputado à Assembleia da República na XV Legislatura e assessor no Parlamento Europeu. É membro da Assembleia Municipal do Porto. É colunista do semanário Expresso.

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