Marta Temido: reforma da AIMA “provavelmente” podia ter sido feita de outra maneira

Marta Temido lidera a lista do PS e vai fazer do combate à extrema-direita e da defesa de um plano europeu de apoio à habitação dois pilares da sua campanha, na qual espera ter António Costa.

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Temido: os extremistas estão a "ganhar terreno e a marcar e impor agenda" no PE Maria Lopes, Susana Madureira Martins (Renascença)
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Ex-ministra da Saúde e membro mais popular do segundo Governo de Costa admite que houve erros no processo de extinção do SEF e criação da AIMA. Em entrevista ao PÚBLICO e Rádio Renascença, Marta Temido defende a solução de dois Estados para o conflito israelo-palestiniano, e recusa a ideia de a União Europeia enviar tropas para a Ucrânia.

O governo português não acompanhou a Espanha, a Noruega e a Irlanda no reconhecimento da Palestina como Estado. Considera que esteve bem?
A situação relativamente ao reconhecimento da Palestina tem evoluído. E não é novo que havia um caminho a ser preparado por vários países e alguns estão agora a avançar para esse reconhecimento.

Há duas vias que estão em causa. De um reconhecimento mais alargado, de a União Europeia falar a uma voz única e univocamente utilizar esse reconhecimento e torná-lo, portanto, mais forte. E essa é uma linha discursiva que compreendemos. Mas há uma fragilidade nessa abordagem: há Estados-membros em que será muito difícil essa decisão avançar, como a Hungria ou a República Checa.

Portugal só deve tomar uma posição se for concertada a nível da UE?
Essa foi a leitura durante bastante tempo. Mas o 7 de Outubro marcou uma diferença e Israel já disse que não aceitará a solução dos dois Estados​. Nós somos pela solução dos dois Estados. Havia trabalho que vinha sendo feito nesse sentido. Agora, cabe ao Governo decidir qual é a melhor opção. Há vantagens de um lado e de outro.

Mas isso é um pouco ambíguo.
A situação é muito difícil. O importante é que seja dado eco e consequências às palavras do secretário-geral das Nações Unidas: um cessar-fogo imediato, entrada da ajuda humanitária, aplicação das regras de direito internacional humanitário.

Pedro Sánchez foi durante muito tempo parceiro de António Costa nesta questão, mas Espanha decidiu. Portugal ainda não. Devia ter tomado ou deve pensar isso a breve trecho?
Penso que é isso que está indiciado em todas as palavras. Todos os actores dizem que ainda não chegou o momento. Parece que ele vai chegar. Não é o PS que tem essa possibilidade. Quando muito, poderá ter intervenção se o Governo entender fazer essa auscultação.

Quando é que é o momento adequado?
A cada dia que passa é mais necessário que se tome essa decisão.

Em relação à guerra da Ucrânia, num debate desta semana, disse que era preciso cautela na análise de envio de tropas para o terreno. Isso não é um não. Pode vir a ser preciso?
Penso que não porque nós sabemos o que é que isso significaria: que aceitaríamos uma terceira guerra mundial.

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Marta Temido, cabeça de lista do PS às europeias Rui Gaudêncio

Esse debate vai ter de se fazer mais tarde ou mais cedo se o impasse continuar, não?
Aquilo que a União Europeia tem feito desde o primeiro momento é um apoio incondicional e irrenunciável à Ucrânia nas mais diversas áreas: apoio institucional, político, humanitário, financeiro, militar, a questão das sanções à Rússia, a possibilidade de utilizar os resultados financeiros dessas sanções para apoio à Ucrânia.

Este não é um cenário que se possa prolongar indefinidamente.
A alternativa a este cenário de guerra está muito nas mãos daquilo que é a aceitação da Rússia das condições que a Ucrânia lhe põe para poder ser assinada a paz.

O Presidente Macron também veio pôr um bocadinho de sal na ferida falando da possibilidade de envio de tropas, e sendo a França uma potência nuclear...
Nós já temos mecanismos de cooperação em termos dos vários Estados, forças de intervenção rápida, respostas variadas. Temos que reforçar a política comum de segurança e defesa da União Europeia. E isso passa por continuar a investir na nossa autonomia estratégica, no desenvolvimento e aquisição conjunta de equipamento militar. Envio de tropas é algo que significa que estaríamos quase no fim do mundo.

E da coesão da União Europeia?
Essas palavras do presidente francês fizeram despoletar uma discussão que não tem condições para acontecer. E portanto, é um não assunto, diria eu.

No manifesto eleitoral do PS defende-se que a UE deve assumir uma maior responsabilidade pela sua própria defesa, em articulação com a Aliança Transatlântica, sem nela se diluir, afirmando-se como o pilar europeu da NATO. Isto significa a criação de um exército europeu comum?
Também não. Significa partilha de responsabilidades e a complementaridade da acção nessa lógica de que esta é uma área onde as competências dos Estados-membros se mantêm, onde se avançou para a utilização do mecanismo de cooperação estruturada permanente entre diversos Estados, onde neste momento o contexto geopolítico recomenda (e tem sido seguida) uma estratégia de reforço da política de segurança e defesa, e mais autonomia na capacidade de resposta. Mas há um ponto final em relação a isto. E a defesa, sendo uma matéria muito importante, não pode afastar a permanência de outras respostas que a Europa também precisa.

O manifesto também inclui a criação de um instrumento de investimento permanente em habitação pública. É uma espécie de linha europeia de financiamento da habitação?
Eventualmente sim. No PS entendemos que a crise de habitação não é um problema exclusivo do país; outros países da UE confrontam-se com o mesmo.

Um PRR permanente para a habitação?
Para um objectivo específico: aumentar o parque público de habitação. Portugal tem um parque público de habitação abaixo dos 2%; a média da União Europeia é de cerca de 11%. Há países que estão acima dos 20% ou na casa dos 30%.

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Marta Temido, cabeça de lista do PS às europeias Rui Gaudêncio

Por que tem de ser a União Europeia a financiar a habitação pública?
Porque é um problema europeu. E a União Europeia tem tido a capacidade de responder aos desejos dos europeus. Esta não é uma perspectiva só nossa, é dos socialistas europeus.

Não é também é um pouco o espelho do falhanço de políticas de habitação, por exemplo, do PS, nos últimos oito anos?
Não. É o espelho da compreensão que as políticas de habitação demoram tempo a produzir efeitos. Por alguma razão, o Programa de Recuperação e Resiliência tem uma linha para a habitação e o português é o segundo com maior volume de resposta financeira para a habitação. O que é que acontece ao PRR? Acaba em 2026.

Seria uma linha de financiamento posterior.
É isso que queremos discutir. É evidente que isso compete com outras necessidades da Europa – defesa, políticas de coesão, política agrícola comum, alargamento.

A AD também defende uma resposta da habitação a nível europeu.
Mas é uma cortina de fumo, não é uma resposta. Aquilo que a AD quer fazer é a consagração de um direito na Carta de Direitos Fundamentais e abstraindo da questão formal de como é que isso se conseguiria. Era preciso, desde logo, unanimidade e eu tenho muitas dúvidas que se conseguisse. As respostas que precisamos para responder a estes problemas têm de ser sempre articuladas entre o nível local, nacional e, na nossa perspectiva, também europeu.

Vamos falar de migrações. Em princípio, a AIMA, a Agência de Integração de Migrantes e Asilo, não será extinta. O Governo diz que há asneiras do PS que têm de ser corrigidas. A situação dos imigrantes em Portugal não é um péssimo cartão de visita do PS quando se fala de migrações na Europa?
A situação do país em matéria de migrações é um espelho daquilo que é a complexidade deste fenómeno. Nós seremos, provavelmente, um dos países onde, apesar de tudo, a dimensão do problema é menos complexa.

Quem está à espera do cartão de legalização não dirá isso.
Tornámo-nos um país de recepção a um ritmo muito rápido. A questão que vem agarrada ao tema das questões europeias sobre as migrações é a da reestruturação de serviços que aconteceu no nosso país. Mas, apesar de tudo, são duas dimensões distintas do mesmo tema. Fizemos uma segregação de funções entre função policial de controlo de fronteiras e função administrativa de reconhecimento documental e de integração. No bom sentido.

Olhando para trás, essa reforma não podia ter sido feita de outra maneira?
Provavelmente. Houve coisas no processo que não terão sido tão conseguidas, designadamente o acumular de processos na pendência da implementação da reforma. Claro que os processos já existiam. Mas isso não quer dizer que os processos não fossem sendo despachados, digo eu. O que é importante é olhar para a resposta: uma nova agência que começou a trabalhar em Outubro e que tem um calendário para apresentar resultados no sentido de ultrapassar as pendências e entrar em velocidade cruzeiro.

A ex-ministra que criou e tutelava a AIMA, é a número 3 da sua lista, Ana Catarina Mendes. Isso não demonstra alguma impreparação do PS para lidar com o assunto?
Aquilo que é a experiência portuguesa pode até ser muito importante para alimentar as questões das melhorias que precisamos de fazer ao nível europeu.

Mostrar como é que não se faz?
Vou ser muito franca e se calhar muito dura, mas evidentemente que ninguém fica indiferente às filas de migrantes que reclamam, que protestam e que sentem que os seus direitos não são a ser respeitados. Todos nós ficamos preocupados e magoados com essa situação. Mas prefiro essa situação, apesar de tudo, a situações de campos de refugiados ou em que as pessoas não são devidamente sequer recebidas, a situações de eventual não assistência a barcos no Mediterrâneo. Ou quando olhamos para países que dizem que vão colocar as pessoas que chegarem às suas fronteiras em outros países.

Esta semana, o Governo reuniu com os partidos para recolher contributos para um plano de acção das migrações. O que deve constar obrigatoriamente desse plano?
Meios e calendário. Meios para que as pendências sejam recuperadas e para que, num horizonte o mais curto possível, a AIMA entre em velocidade de cruzeiro na resposta documental, mas sobretudo na vertente da integração - língua, trabalho, integração social. Precisamos deixar esta discussão da documentação - crítica, não estou a menorizar - e passarmos para a outra fase. Porque precisamos de imigração, temos falta de mão-de-obra.

Há por aí quem fale de necessidade de atrair mão-de-obra qualificada. Com certeza. Mas não podemos esquecer que parte do funcionamento de base das nossas sociedades, seja em Portugal, seja em outros países da Europa, é feito como mão-de-obra imigrante.

E o que é que não pode constar? O sistema de quotas está completamente de parte.
Na minha perspectiva, sim. Seria um recuo. Quem tem necessidade de sobreviver, não é por esse tipo de resposta que é inibido. E só aumenta o tráfico ilegal.

O PS aprovou o Pacto das Migrações e Asilo. Em que pode ser aperfeiçoado?
O pacto que foi aprovado não é o nosso pacto. Houve vários eurodeputados da nossa família política e da delegação portuguesa que não votaram favoravelmente todos os actos legislativos que fazem parte do pacto. Achámos, genericamente, que seria a solução de compromisso possível perante visões muito, muito distintas. É dos temas que mais dividem os europeus.

Tem aspectos que nos preocupam. Os menores não acompanhados continuam a ter uma solução de passagem. Aqueles que estão com as famílias podem ser colocados em situação que pode ser considerada como uma separação. Há aspectos muito preocupantes sobretudo na forma como depois os Estados os podem implementar.

No próximo mandato europeu não será possível a habitual aliança técnica entre PPE, socialistas, democratas, liberais e verdes? Ou a campanha é a campanha e depois, mais à frente, logo se vê?
Bom, nós temos para candidato à presidência da Comissão Nicolas Schmit, actualmente comissário do Trabalho. As negociações dos designados top jobs parte das primeiras tarefas que têm de ser realizadas. Se me pergunta qual é o apoio a outras soluções, isso depende também daquilo que sejam os resultados eleitorais, mas nunca nos podemos distanciar nem aliar a soluções nas quais não nos revemos.

Está a falar de?
Dos compromissos que, alegadamente, a actual presidente da Comissão estaria disponível para fazer com os conservadores de direita, que nos preocupa enormemente.

A fronteira entre direita e extrema-direita poderá ficar diluída no próximo mandato?
É um dos pontos de preocupação. Neste momento há três famílias de direita no Parlamento Europeu. Uma direita dita tradicional, o Partido Popular Europeu (PPE); uma direita um pouco mais à direita, os conservadores e reformistas; e depois a extrema-direita, a direita radical.

O que me parece que estamos a verificar é que, em lugar de ser o PPE a força de alavancagem, estão a ser os extremistas a conseguir ganhar terreno e a marcar e impor a sua agenda. E depois vamos verificando vontade do resto da direita tradicional, por óbvio tacticismo político, de estender entendimentos a soluções absolutamente inaceitáveis.

Há esse risco de a forças extremistas “engordarem”. É também um voto de protesto aos partidos tradicionais?
Penso que é uma incompreensão, ainda, daquilo que está em risco. Uma guerra é algo muito visível e compreensível; uma transformação social, que é o que pode estar em causa, que tem na base partidos que querem o fim do projecto europeu e que renegam a maioria dos seus valores, é uma transformação sub-reptícia.

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