Jovens de bairros sociais “ocupam” a Casa Nobre da Lourinhã e fazem-se ouvir
“Não há direito!” foi o mote para as oficinas artísticas com jovens que resultaram numa exposição e numa leitura encenada numa loja devoluta. Uma acção integrada no projecto Próxima Paragem.
Durante o Livros a Oeste — Festival do Leitor, jovens de dois bairros sociais “ocuparam” a Casa Nobre, no centro da Lourinhã. Ali expuseram cartazes com as suas reivindicações, encheram caixas com direitos, ideias e protestos. Podia ler-se nas paredes e nas janelas da loja “direito à vida”, “direito ao sonho”, “direito à alimentação”, “direito a rir”, “direito à liberdade” e muitos outros. Havia caixas com “direitos apaixonados”, “direitos infinitos”, mas também “direitos perdidos”.
A exposição Não Há Direito! pretendeu dar voz às reivindicações e anseios de jovens que participaram em oficinas artísticas integradas no projecto de democracia participativa Próxima Paragem.
A casa, que acolheu algumas das actividades e conversas do festival, serviu de palco, no último dia do encontro, aos jovens que participaram no projecto, a que se juntou a Escola da Lama.
Numa leitura encenada com o título Era Fixe, pôde escutar-se “era fixe ter um cavalo”, “era fixe dizer tudo o que pensamos e ser livres”, “era fixe poder amar alguém”, “era fixe que ela ficasse bem”, “era fixe poder voar”, “era fixe poder abraçar uma pessoa”, “era fixe poder dizer tudo o que sinto”, “era fixe ver a minha família toda junta outra vez”, “era fixe comer tudo o que quisesse”, “era fixe que não houvesse guerras”, “era fixe que as pessoas fossem honestas”, “era fixe que estes ‘era fixe’ se tornassem a maior verdade”.
Mafalda Teixeira, chefe de divisão de Cultura e Cidadania da Câmara da Lourinhã e que partilha a programação do festival com João Morales, explica ao PÚBLICO que o projecto de cidadania conta com vários parceiros: “É um colectivo, o município, que eu represento, os Sombronautas, a Escola da Lama e o André Neves (Maze, da banda de hip hop Dealema.” Este último já tinha participado na edição anterior do Livros a Oeste, também com actividades com os jovens.
Para José Tomé, vereador da Cultura do município, esta performance final, que não estava no programa, seria “uma surpresa” e um dos pontos de “maior relevo” do festival. Na antevéspera do encerramento, disse ao PÚBLICO porquê: “Os jovens sentem-se importantes e envolvidos. Isto vai marcá-los porque é mesmo uma coisa deles. O facto de aparecer como surpresa dá-lhes algum relevo. Ficam orgulhosos por entrar no final da programação de um festival relevante como este, já com 12 anos.”
A Casa Nobre “dos Direitos” estava cheia e feliz, com muitas famílias e várias gerações. Dos bairros e também não.
Para lá do festival
Nesta quarta-feira, já depois do encerramento do festival (que decorreu de 14 a 18 de Maio), a loja devoluta foi o cenário escolhido para a apresentação do livro No Meu Bairro, com texto de Lúcia Vicente e ilustração de Tiago M. (edição da Nuvem de Letras), sobre inclusão e diversidade.
Também nesta quinta-feira, ainda como extensão do Livros a Oeste, vários alunos das escolas do concelho visitaram a instalação Três Luzes Acenderam ao Mesmo Tempo em Três Janelas Diferentes, com a presença do autor, Noiserv, “para conversarem com ele sobre a sensação e o processo”, informa Mafalda Teixeira.
Uma instalação multidisciplinar que pode ser vista na Galeria Municipal da Lourinhã até dia 25 de Maio (10h30-16h30) e que parte do livro do mesmo autor Três-vezes-dez-elevado-a-oito-metros-por-segundo.
Escreve-se na sinopse: “Uma simbiose perfeita entre som, luz e voz, onde se junta a polifonia da banda sonora — escrita em exclusivo pelo músico Noiserv — um jogo de luz do iluminador Alberto Pinheiro e a lindíssima voz da actriz Isabel Abreu.” Tudo verdade.
“Era este tipo de abordagem de cruzamento multidisciplinar que precisávamos para fazer jus ao Festival do Leitor”, diz a programadora.
Quem já assistiu aos 15 minutos e 37 segundos que dura a sessão viveu uma experiência envolvente, que é também um bom exercício de escuta e observação, que convida à reflexão sobre a dinâmica e relação entre nós e os outros. Tem momentos comoventes e, no final, apetece levar as janelas para casa.
O PÚBLICO esteve na Lourinhã a convite do festival