“Portugueses estão fartos de eleições”. Candidato do Chega à Europa admite aprovação do OE25
António Tânger Corrêa defende a fusão das duas famílias políticas de direita radical, que os imigrantes ilegais sejam “recambiados” e é a favor da compra de F35 por Portugal.
António Tânger Correia, cabeça de lista do Chega e embaixador de carreira, garante que o partido não quer eleições antecipadas para a Assembleia da República, considera o mandado de detenção sobre Benjamin Netanyahu emitido pelo Tribunal Penal Internacional (TPI) "um bocadinho folclórico" e diz que André Ventura teve um "momento menos feliz" quando chamou "preguiçosos" aos cidadãos turcos. Em entrevista ao PÚBLICO/Renascença, rejeita o epíteto de "Rei das Barbaridades".
No programa eleitoral, o Chega reafirma a necessidade de o país permanecer na União Europeia e, ao mesmo tempo, defende que os países devem agir de forma autónoma, rejeitando, por exemplo, a diplomacia comum. Afinal, que mudança querem ver na União Europeia (UE)?
Nós queremos uma UE menos federalista e mais uma União Europeia das Nações, ou seja, defender as soberanias sem que com isso se quebre a unidade da União Europeia. A UE será tão mais viável e tão mais eficaz com o conjunto de países do que com tiques federalistas e autoritários, como parece ser o caminho neste momento.
Isso não é querer sol na eira e chuva no nabal?
Não, porque foi sempre assim que a UE foi pensada. Desde o princípio que houve sempre as duas teses: o federalismo e a Europa das Nações. Até ao Tratado de Lisboa, venceu a Europa das Nações. O Tratado de Lisboa é um mau tratado. Tentou-se dar um passo maior que a perna e o resultado está à vista: é o “Brexit” e há outros países que não Portugal que estão a esticar a corda.
Quais?
A Hungria, a Polónia, a Eslováquia. Estão fartos daquilo a que chamam “a ditadura de Bruxelas”.
Podem, a breve trecho, seguir o mesmo caminho que o Reino Unido?
Neste momento, não. Tudo passa pela reforma das instituições, pelo novo Parlamento Europeu. Somos a favor do reforço dos poderes do Parlamento e, principalmente, de uma maior clarificação interna da União Europeia. Somos a favor de uma maior contenção da Comissão, de uma maior interacção no seio do Conselho Europeu e, a prazo, da extinção do Serviço Europeu de Acção Externa, que é um ataque às soberanias. A diplomacia e a presença internacional dos países é um dos direitos fundamentais que cada país tem.
Como é que vê a atitude, por exemplo, de Josep Borrell nos últimos anos?
Mas ele tem atitude?
Acha que é irrelevante?
Completamente.
Então, se é irrelevante, não é preciso acabar com o cargo...
Não, não. É preciso acabar. Principalmente para os pequenos países como Portugal, não tem qualquer interesse. Até ao Tratado de Lisboa, tínhamos uma organização que funcionava muito bem, que eram as presidências.
A partir do Tratado de Lisboa isso acabou e aquilo que eram antigamente os delegados da Comissão passaram a ser os embaixadores da União Europeia. Na nossa óptica, está muito errado. É claro que os países mais fortes são muito menos afectados por isso, porque fazem as suas próprias políticas e têm capacidade para isso. Países mais pequenos vêem-se com mais dificuldades. O nível do Serviço Europeu de Acção Externa é bastante baixo comparado com os bons serviços diplomáticos dos países-membros.
No vosso programa defendem uma substancial redução dos gastos da estrutura europeia. Onde é que querem cortar?
Em toda a parte. Por exemplo, no Parlamento Europeu. Qual é a necessidade de, uma vez por mês, irem passar uma semana a Estrasburgo?
O Parlamento Europeu tem funcionários a mais?
Eu preferiria dar-lhe essa resposta depois de lá estar.
A entrada de Portugal no euro foi boa para o país?
Acho que sim. O euro, como sabe, é uma cooperação reforçada, tal como Schengen, por exemplo. O livre-trânsito interior da União Europeia melhorou muito com a existência do euro. O euro é um elemento importante na integração europeia, mas que não limita a soberania dos países porque há os critérios de convergência, cujo cumprimento dos critérios cabe a cada país.
No programa eleitoral, o Chega propõe-se combater a subjugação do sector primário à agenda ecocêntrica. O que é a agenda ecocêntrica?
A agenda ecocêntrica é submeter a parte agrícola, a parte piscatória a agendas ecológicas, algumas vezes bastante radicais e que, evidentemente, vão prejudicar quer as pessoas, quer as famílias portuguesas que vivem dessas actividades.
Mas pode concretizar?
Se começarem a pôr painéis solares em tudo quanto é terreno agrícola, estão a prejudicar a soberania alimentar.
E no mar?
As quotas de pesca, por exemplo, em que nós somos altamente prejudicados, que é uma coisa extraordinária, são ditadas por Bruxelas, são mal negociadas por nós, em favor de espanhóis, por exemplo, e nós não temos qualquer reacção e não temos meios sequer para controlar a nossa zona económica exclusiva.
Acha que essas quotas têm a ver com critérios ambientalistas ou com interesses económicos dos países?
Ambas.
Defende o maior investimento de Portugal na defesa europeia. Novos F-35 podem custar 5 mil milhões de euros. É este o caminho?
Bom, se estiver dentro do orçamento de 2% de defesa, poderá ser, porque nós somos um país extremamente vulnerável, quer por ar, quer por mar, e não conseguimos controlar as actividades, quer sejam militares, quer sejam económicas.
Não vou dizer que os F-35 vão patrulhar a zona económica exclusiva, mas mais P-3 Orion e os novos “patrulhões” que estão a ser construídos em Viana do Castelo vão dar uma boa ajuda.
Agora, os F-35 são uma parte da defesa colectiva da Europa. Há uma missão de patrulhamento do Báltico, em que nós participamos sistematicamente em roulement, com os F-16, que já estão desactualizados. O nosso contributo, já que não é feito com botas no terreno, talvez seja o mais lógico que seja feito com Força Aérea.
Não é muito dinheiro para um país como Portugal?
Vamos ver quanto é que isso custa e quanto é que rende a venda dos F-16. Não conheço o plano de aquisição dos aviões.
As pessoas iriam compreender um investimento deste tipo?
É evidente que tudo tem que ser explicado às pessoas. O porquê, quanto custa, se vai ou não sair do bolso das pessoas.
Emmanuel Macron já defendeu por duas vezes que será inevitável a União Europeia vir um dia a mandar tropas para a Ucrânia. André Ventura não fechou a porta a essa possibilidade numa recente entrevista que deu. Qual é a sua posição?
É a mesma, não posso ter uma posição diferente do presidente. Quer dizer, posso, mas não tenho. O problema não é esse. Quando está em causa a liberdade versus ditadura, nós defendemos sempre a liberdade. Agora, o problema é ter tropas. Nós não temos ninguém para mandar.
A Ucrânia devia abdicar de uma parte do seu território para que haja acordo com a Rússia para pôr fim à guerra?
Não concordamos com isso. Mas os ucranianos é que têm que decidir. Nós apoiamos os ucranianos. Neste conflito, é muito clara a posição do Chega. Estamos a favor dos ucranianos, nós suportamos a Ucrânia, as posições que os ucranianos tomarem são aquelas que nós apoiamos.
O partido Irmãos de Itália, que deu como exemplo no debate na SIC, e o Vox espanhol, com quem o Chega tem relações próximas, pertencem à família política dos Conservadores no Parlamento Europeu e não ao ID, onde está o Chega, e que tem partidos pró-Rússia e partidos mais antieuropeístas. Sente-se bem no ID ou preferia integrar os Conservadores? Ou Ventura precipitou-se em aderir ao ID em 2020?
Não foi precipitação. Terá sido mais fruto de circunstâncias do que outra coisa qualquer. Precisava de uma família europeia, o Chega ainda não era bem o Chega. Eu, por exemplo, não estava no partido.
Se estivesse, teria aconselhado André Ventura de outra maneira?
Não, não é bem por aí. Com as novas eleições, agora dia 9, o Parlamento Europeu vai mudar. Nessa altura, nós temos que ter a cabeça fria e tentar ver, pela via negocial, como é que podemos alargar a base de apoio da chamada direita.
Uma fusão destas duas famílias?
É uma hipótese, já se tentou e não se conseguiu. Mas eram outras circunstâncias. Aquilo que é mais importante e que é sempre o obstáculo são os egos.
O Regulamento de Gestão do Asilo e da Migração estabelece um sistema de solidariedade obrigatória que oferece aos Estados-membros três opções para gerir os fluxos migratórios. Recolocar um certo número de requerentes de asilo, pagar 20 mil euros referentes às despesas de cada requerente que se recusem a recolocar no seu país, ou financiar suporte operacional. Para o Chega, isto é pouco?
Não, para o Chega, é errado. O caminho tem que ser uma imigração controlada. O que pode acontecer é a Comissão Europeia dizer: "Agora, vão 200 para a Suécia, vão 30 para um país báltico, vão 200 para a Alemanha." E esses países dizem: "Não, eu pago os 20 mil, não quero cá ninguém!" E para onde é que eles vão? Para os países que não têm dinheiro para pagar, os países do Sul.
Revê-se na forma como o Reino Unido está a encarar o problema com deportações para o Ruanda?
Não me revejo nisso. Revejo-me na entrada dirigida como era antigamente.
Isso vai obrigar a centros de detenção, não é?
Não. Se nós não dermos vistos às pessoas que vierem sem vistos, não entram. São recambiadas. O problema está em distinguir o que é refugiado do que é imigrante ilegal. A maior parte são imigrantes ilegais, não são refugiados.
Sobre o Médio Oriente, defende uma solução de dois Estados para o conflito entre Israel e Palestina. Isso é possível, a seu ver, com Benjamin Netanyahu?
Não, neste momento, não é possível. E Netanyahu, como se vê, não vai acabar o conflito.
Tem interesse em que o conflito permaneça?
Está entre a espada e a parede. Foi acabado de emitir um mandado de captura pelo Tribunal Internacional de Justiça.
Concorda com esse mandato?
Eu acho que isto é um bocadinho folclórico. É uma atitude política mais do que uma atitude jurídica. Mas ele, dentro do país, tem problemas jurídicos. Portanto, ele, se deixar de ser primeiro-ministro e se for julgado, tem problemas, sem dúvida nenhuma. E em Israel não há ninguém que não diga que ele não tem qualquer futuro político. Eu conheço bem Israel. As pessoas não querem Netanyahu.
Acha que está mesmo a prazo?
Completamente. As pessoas contestam o tipo de decisões que ele está a tomar, contestam o tipo de caminho que ele está a levar.
Como é que a sua experiência, como recordava há pouco, de diplomata em Israel, influenciou a sua percepção do povo judeu e levou-o a dizer aquilo que disse sobre o 11 de Setembro numa entrevista recente?
Nada a ver uma coisa com a outra. Eu adoro o Estado de Israel. Essa história de me chamarem anti-semita...
Com as declarações que fez sobre o 11 de Setembro, alimentou uma teoria de conspiração que junta a Al-Qaeda e o povo judeu...
Não é nada de conspiração. É perfeitamente normal. Quantas vezes é que não ouviram dizer que aquele atentado foi evitado em última instância? É porque houve denúncias. Então acham que é teoria de conspiração quando os Estados Unidos avisam Moscovo que vai haver um atentado terrorista em Moscovo ou quando os egípcios avisaram os israelitas do 7 de Outubro? Não disse que eles fizeram. Há gente sempre com informação privilegiada, sempre. Isto não tem nada a ver com anti-semitismo.
Sebastião Bugalho, candidato à AD, acusou-o de anti-semitismo. Disse que ia processá-lo. Já processou?
Vamos ver o que é que os advogados decidem, mas só depois de acabar a campanha.
Também acha, como Ventura, que os turcos são um povo preguiçoso?
Não. Aquilo foi mais para privilegiar os trabalhadores portugueses do que para falar mal dos turcos.
Mas os dados da OCDE dizem que os turcos trabalham mais e são até mais produtivos. Saiu-lhe mal.
Pois. Às vezes as pessoas fazem umas comparações...
Menos felizes?
Pois, como as que o Marcelo Rebelo de Sousa faz também, quando chama lento ao ex-primeiro-ministro António Costa por ser oriental ou chama rural a Luís Montenegro.
Já disse que esta AD é uma imitação barata da antiga AD. Isso faz de Sebastião Bugalho o quê? Um candidato de simulacro?
Mesmo assim, é independente, o que é uma coisa extraordinária. O PSD nem sequer põe um militante do PSD. Vamos comparar uma AD com o Sá Carneiro, com o Amaro da Costa, com o Freitas do Amaral, Gonçalo Ribeiro Teles com isto?
Se o candidato da AD tiver mais votos que o senhor, vai reconhecer que, afinal, era uma boa lista?
Mas eles sempre tiveram mais votos que nós...
Não tem a ambição, nestas eleições, de ter mais votos do que a AD?
Tenho ambição. Se não atingirmos a meta, não atingimos a meta... A AD pode ficar à nossa frente como ficou nas legislativas.
Se a AD perder estas eleições europeias, o Governo pode cair?
Em política interna, não sou grande espingarda. Isso aí vai depender da análise que a direcção do PSD, nomeadamente Luís Montenegro, fizer. Há uma coisa que eu lhe digo com toda a franqueza: nós não vamos provocar a queda do Governo.
O Chega não tem interesse em eleições antecipadas?
Os portugueses estão fartos de eleições. Precisam de estabilidade. E nós quisemos dar essa estabilidade ao PSD. O PSD não quis.
O Chega deve ajudar a AD a votar vários diplomas no Parlamento?
Votaremos aqueles diplomas que forem bons para Portugal, venham eles de onde vierem.
Incluindo o próximo Orçamento do Estado?
Incluindo o próximo Orçamento do Estado.
Admite, então, que o Chega possa viabilizar o próximo Orçamento do Estado e que seria útil para o país?
Se contiver as medidas que nós achamos correctas, não vejo por que devamos inviabilizar o Orçamento do Estado.
Aí tem um discurso um bocadinho mais aberto do que o seu líder, ou não?
É a minha opinião, mas, em política interna, ele dá-me 10 a 0.
Tem-se revelado uma pessoa muito polémica. Luís Marques Mendes disse no domingo que o senhor é o “Rei das Barbaridades". Sente-se rei das barbaridades? Tenciona processar aquele comentador político?
Não. “Rei das Barbaridades” devia estar a referir-se a eu ter citado Marcelo Rebelo de Sousa quando mencionou que António Costa era lento por ser oriental. Portanto, ele acha que é barbaridade. Ele é a correia de transmissão de Marcelo Rebelo de Sousa, portanto estava a defender a sua dama, basicamente. Se é barbaridade citar o Presidente da República...