Beira Interior, uma região de múltiplos terroirs, vinhos frescos e bem receber

De Marialva a Vila Velha de Ródão, região heterogénea, de solos pobres, mas uvas e vinhos reconhecidamente bons, a Beira Interior tem novidades no enoturismo.

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Pedro Carvalho, da Quinta dos Termos Miguel Manso
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Bastante heterogénea e abarcando um território que vai de Castelo Rodrigo à Cova da Beira, a Beira Interior produz vinhos distintos e frescos, de (mais ou menos) altitude, conforme os terroirs, e que tira partido de um património vitícola riquíssimo, onde ainda há castas raras em vinhas velhas e em solos paupérrimos — quase sempre graníticos, embora haja xisto abaixo da serra da Gardunha.​ De organização recente, mas com uma tradição de produção de vinho de dois mil anos, a região começa aos poucos a abrir-se ao turismo que procura o interior Norte e Centro de Portugal. Nesta região vitivinícola rodeada por serras, encostada a Espanha, são vários os produtores com projectos de enoturismo novinhos em folha.

Da Mêda a Pinhel

Casas do Côro é o projecto de vida de Carmen e Paulo Romão, hoteleiros experimentados e que vêem "a vinha como uma extensão do hotel". Há 24 anos pegaram em casas que estavam devolutas na aldeia histórica de Marialva (Mêda) e ali começaram a construir um original hotel, hoje poiso obrigatório para quem viaja por aquelas bandas, mas engane-se quem pensar que o conceito está fechado. Todos os anos há novidades. Seja nos quartos, hoje 31 (a partir de 285 euros o quarto duplo superior),— cuja decoração Carmen está sempre a mudar — são suas quase todas as pinturas que vemos espalhadas pelas Casas e até os desenhos das mantas de lã, oriundas da fábrica têxtil que o casal teve durante anos na Guarda —, seja na vinha, onde Paulo construiu uma charca para aproveitar a preciosa água da chuva e à boleia dessa obra plantou 200 novas árvores e criou um parque lúdico.

"Temos hóspedes que vêm cá várias vezes e que adoram ver coisas novas. Parece que estão noutro sítio", conta Carmen. Uma das grandes novidades este ano é o Lounge da Horta, onde Carmen e Paulo organizam jantares ao ar livre, a meio caminho entre a aldeia histórica e a aldeia 'nova', numa paisagem em que oliveiras e amendoeiras entrecortam a vinha. "A ideia é fazer obrigatoriamente aqui um jantar por semana para os nossos hóspedes", explica Paulo, que já fazia vinho antes mas que só começou a engarrafar com a marca Casas do Côro em 2015, persuadido pela malta importante do sector que ali se hospedava, nomeadamente por Dirk Niepoort.

O casal tem 14 hectares de vinha própria, quase tudo castas brancas e um hectare e pouco de Rufete. A região, sobretudo ali a Norte, tem condições de excelência para a produção de vinhos brancos, seja pela altitude (em Marialva, a uns 500-600 metros), seja pela grande amplitude térmica (às vezes 20 graus de diferença do dia para a noite). Mas o vinho é apenas 5% do negócio de Carmen e Paulo, que ali ao lado, no Douro Superior, também têm alojamento — já abriram as duas primeiras suítes de alojamento na antiga estação de comboios do Côa, no âmbito de um projecto maior que recuperará outros edifícios na desactivada linha férrea do Douro entre o Pocinho e Barca D'Alva. "Neste sector, não se pode parar", resume Paulo.

Carmen e Paulo Romão investiram há 24 anos em Marialva e 'ergueram' na aldeia histórica um original hotel Miguel Manso
Paulo Romão, do projecto Casas do Côro Miguel Manso
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Carmen e Paulo Romão investiram há 24 anos em Marialva e 'ergueram' na aldeia histórica um original hotel Miguel Manso

A uns 15 minutos de carro, ainda na Mêda, Lúcia e Américo Ferraz começam a perceber isso mesmo. São ambos médicos dentistas e produzem vinho na terra Natal dele, Vale Flor. Souvall é a abreviatura de "sou do Vale" e a marca nasceu pouco antes da pandemia de covid-19, a partir do património vitícola de família. Hoje têm ao todo 15 hectares de vinha na Beira Interior e vinhos que têm sido muito elogiados, sobretudo os brancos.

Acabaram de inaugurar uma sala de provas na adega e junto ao edifício de 2017 estão a transformar a antiga forja do bisavô de Américo num turismo rural, que no futuro crescerá com toda a certeza. Assim consigam reabilitar também a antiga casa de família, do outro lado da rua. Com a ajuda do enólogo-viticólogo José Ribeiro Brandão, retiraram já ensinamentos de uma vinha centenária, "a Seara Super Velha", a uns 650 metros de altitude, para plantar a jovem vinha de Vila Maior (750 metros). Ali, com vista para a Serra da Estrela, já há Síria (o Roupeiro do Alentejo, que também existe noutras regiões), Fernão Pires, Moscatel Galego e Viosinho e o plano é plantar ainda Arinto Gordo e Donzelinho branco. Na adega, aguardam ser engarrafadas experiências como um espumante de Tinta Barroca ou um tinto de Baga proveniente de vinhas velhas.

"Aqui nós encontramos paz. Na terra nasce tudo. E esta também é uma forma de não abandonar, de deixar legado", diz-nos Lúcia, que encontrámos a rotular vinho na adega — "que maravilha, até saem quentinhas" —, com a ajuda do sogro, que no seu tempo vendia vinho a granel.

Lúcia e Américo Ferraz, com o filho Pedro, nas vinhas da Souvall Miguel Manso
O enólogo-viticólogo José Ribeiro Brandão está ligado a vários projectos na Beira Interior; na fotografia mostra as vinhas da Souvall Miguel Manso
As plantas das sementeiras, semeadas ou espontâneas, que o técnico José Ribeiro Brandão introduziu na viticultura da Souvall contribuem para solos mais saudáveis e isso é bom para a vinha Miguel Manso
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Lúcia e Américo Ferraz, com o filho Pedro, nas vinhas da Souvall Miguel Manso

Quarenta minutos e estamos nas Casas Altas, na aldeia de Souro Pires, Pinhel, outro projecto com enologia de José Ribeiro Brandão. O produtor, o radiologista aposentado José Madeira Afonso, espera-nos à porta da adega onde improvisou uma pequena mas acolhedora sala de provas para receber os visitantes. "As pessoas aparecem aqui espontaneamente, até estrangeiros. E eu não tinha sítio para as receber."

Apesar de passar ali "dias maravilhosos" desde que se reformou, há dois anos, e regressou de vez à terra da família paterna, Madeira Afonso gosta de viajar — sempre gostou, sobretudo para regiões vinhateiras do velho mundo, e é daí que vem a inspiração para o seu Riesling e para o Chardonnay —, pelo que é sempre conveniente marcar a visita. São uns dez "os vinhos do doutor", como são também conhecidos, e nas três zonas de vinha (entre os 650 e os 750 metros) que o produtor tem à volta da aldeia há vinhas velhas com Rufete, Arinto, Síria e Fonte Cal, entre outras variedades autóctones. A branca Fonte Cal só existirá, tanto quanto se sabe, na Beira Interior.

Produz umas 40 mil garrafas por ano, a partir de 15 hectares de vinhas próprias, e é ele próprio quem recebe os turistas do vinho, gosta dessa interacção, como todos os que encontrámos na nossa reportagem. Não cobra pelas provas, para já. Isso pode mudar quando, no Verão, conseguir organizar melhor essa experiência e abrir uma segunda sala de provas na Quinta do Vale Ruivo. A intenção de Madeira Afonso será, então, "vender o copo de prova”. Na propriedade, para além de vinha, há vacas charolesas para a produção de adubo natural — nos solos pobres da Beira Interior, e em altitude, os produtores conseguem praticar uma viticultura mais 'natural' e amiga do ambiente.

O radiologista aposentado José Madeira Afonso faz vinho na aldeia de Souro Pires, Pinhel Miguel Manso
Nas Casas Altas, a enologia também está a cargo do enólogo-viticólogo José Ribeiro Brandão (Souvall e Aforista) Miguel Manso
Os "vinhos do doutor" como também são conhecidos os vinhos Casas Altas já são um clássico dos vinhos da Beira Interior Miguel Manso
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O radiologista aposentado José Madeira Afonso faz vinho na aldeia de Souro Pires, Pinhel Miguel Manso

Projectos-bandeira em Castelo Rodrigo

No planalto de Castelo Rodrigo (750 metros de altitude), a uma meia hora de distância, na Quinta do Cardo, encontramos uma reviravolta em curso. Com 79 hectares de vinha — entre as maiores vinhas contíguas da região —, deve ser das propriedades vinícolas em modo de produção biológica mais antigas de Portugal. Engarrafa desde a década de 1980 e, em 2021, mudou de mãos. Artur Gama, um dos sócios, conta como a prioridade foram "as vinhas e a adega" e agora é possível aos investidores focarem-se também no enoturismo.

E tirarem partido dos recantos incríveis de uma quinta com 180 hectares (100 são de floresta, que rodeia a vinha), várias charcas e muitos cardos, cardos por todo o lado. Na casa do forno, nascerá em breve a sala de visitas do produtor, onde um menu de degustação custará 85 euros por pessoa, com vários pratos, por exemplo cabrito assado no tal forno, e todos os vinhos da quinta.

O perfil dessas referências tem vindo a ser afinado pela nova equipa de enologia, mas a aposta é na plasticidade da Síria, da Síria plantada na icónica Vinha do Lomedo (anos 1970) à da mais recente plantação (10 hectares, de 2022). "Trinta dos 79 hectares de vinha são de castas brancas, mas a ideia é ir aumentando a área de brancos. Queremos ser a grande bandeira da Síria na região", partilha Artur Gama, que também está ligado à Quinta da Boa Esperança, na região de Lisboa.

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Com 79 hectares de vinha, a Quinta do Cardo deve ter das maiores manchas de vinha contínuas da Beira Interior; na propriedade há quatro charcas Miguel Manso
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Artur Gama é um dos novos proprietários da Quinta do Cardo; a aposta, disse ao PÚBLICO, será na Síria e na plasticidade dessa casta branca Miguel Manso

Ali perto, outro nome incontornável na região: Rui Reboredo Madeira e os vinhos Beyra. A marca representa 90% da produção da empresa na Beira Interior. Criada em 1999, carrega o nome do seu fundador e começou por laborar no Douro, ali tão perto. Na adega da Vermiosa (ainda em Figueira de Castelo Rodrigo), comprada em 2011 e que processa anualmente 1 milhão de quilos de uva, não há propriamente um projecto de enoturismo montado, mas Rui Pinto, sócio de Rui Madeira, também ele enólogo de formação, conta-nos que, havendo disponibilidade e mediante marcação, é sempre possível visitar a adega, onde alguns dos melhores tintos da casa se fazem nas velhinhas e gigantes cubas de cimento e estagiam em modernos ovos de betão — promovem uma maior micro oxigenação do vinho uma bâtonnage mais lenta.

Numa e outra região, os vinhos que fazem têm todos origem em vinhas próprias (62 hectares, tudo em biológico) e / ou em vinhedos em que exploram (mais 18 hectares), com total controlo pela matéria-prima. Numa fase inicial tentaram "replicar o know-how do Douro" na Beira Interior, para depois perceberem que tinham de mudar o rumo: fazer vinhos diferenciadores ali significava ter de "vinificar mais tarde" — a altitude faz com que as maturações sejam mais lentas —, olhar também para outras castas — sendo que, na opinião da dupla, as mais bem adaptadas à região são as mais precoces, como a Tinta Roriz ou o Jaen; nos brancos, a principal aposta é na Fonte Cal, apesar de também terem muita Síria, Arinto e Gouveio — e apostar nas vinhas velhas.

"Desde 2021, já comprámos 49 hectares de vinha." O que mudou? "Oportunidade e o pós-covid também nos fez pensar. Temos de investir cada vez mais na Beira Interior, que é onde temos melhores resultados. É o nosso futuro", explica Rui Pinto.

A Rui Reboredo Madeira faz vinhos no Douro e na Beira Interior, mas explica Rui Pinto, um dos sócios, que o "futuro" da empresa passará muito pela segunda Miguel Manso
A Rui Reboredo Madeira (vinhos Beyra) tem 62 hectares na região, desses 49 foram comprados nos últimos três anos Miguel Manso
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A Rui Reboredo Madeira faz vinhos no Douro e na Beira Interior, mas explica Rui Pinto, um dos sócios, que o "futuro" da empresa passará muito pela segunda Miguel Manso

A Sul da Guarda

Uma hora de auto-estrada (A23) e estamos na Quinta dos Termos. Sub-região da Cova da Beira. Não muda tudo, mas muda muito. "Não temos agricultura de montanha, mas estamos rodeados por montanhas. A Cova da Beira começa a Sul da Guarda e vai até à Serra da Gardunha", explica-nos Pedro Carvalho, gestor na empresa familiar que os pais ergueram a partir de um terroir que só a emoção explica. João Carvalho literalmente conquistou ali solo à pedra, com um trabalho insano para conseguir solos mais profundos e bons para a vinha. Porquê? Porque só ali, onde nasceu, equacionava produzir vinho.

O primeiro presidente da Comissão Vitivinícola Regional continua ocupado com mil projectos — e, já agora, outras duas propriedades, a Herdade do Lousial, em Castelo Branco, mais a Sul da região, e a Quinta do Pocinho, no Douro. O último, acabadinho de inaugurar: uma nova cave de barricas e uma sala de provas e eventos com vista para as vinhas, que permitiu dar outras condições ao enoturismo que há muito já recebiam. "As pessoas vinham passar o fim-de-semana à região, bebiam o nosso vinho no hotel, gostavam e passavam na adega. Não tínhamos uma pessoa dedicada. Levantávamo-nos da secretária e íamos fazer a visita", conta Lurdes, a esposa, também ela peça-chave no dia-a-dia da Quinta dos Termos.

A vinha experimental que João Carvalho, empresário também (e primeiro) no ramo têxtil, plantou no final dos anos 1990 "definiu a história da Quinta dos Termos", conta-nos o filho. E ajudaria a mudar o rumo de toda uma região, com a aposta em variedades minoritárias como o Rufete ​e a Fonte Cal. Os ensaios feitos na quinta com esta variedade branca, única no mundo, deram recentemente origem a "uma vinha mãe" no Lousial, de onde pode agora sair material vegetativo certificado. "Agora, já existe um incentivo para plantar Fonte Cal."

Pedro e João Carvalho, pai e filho, na adega da Quinta dos Termos Miguel Manso
Pedro Carvalho explica-nos que a vinha experimental que o pai plantou no final dos anos 1990 "definiu a história da Quinta dos Termos" Miguel Manso
A Quinta dos Termos tem uma nova cave de barricas e uma sala de provas e eventos com vista para as vinhas Miguel Manso
O rosmaninho que marca a paisagem no cabeço junto a uma das vinhas da Quinta dos Termos, o Talhão da Serra, de onde sai o varietal de Rufete do produtor Miguel Manso
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Pedro e João Carvalho, pai e filho, na adega da Quinta dos Termos Miguel Manso

Com adega e vinhas na Covilhã (e um turismo rural na vertente Sudoeste da serra da Estrela, a Quinta da Vargem), os vinhos Almeida Garrett, em particular os de Chardonnay, são sinónimo de qualidade e consistência. "Desde 1858" que a família de Manuel Garrett produz ali vinhos. "Vieram para a Beira através do casamento de um sobrinho do escritor — era irmão do meu tetravô — com uma senhora da família Tavares Proença", começa por explicar-nos. Foram "pioneiros" a trabalhar a afamada casta de Borgonha, que trouxeram de França, onde a família, apoiante monárquica, esteve exilada depois da implantação da República.

Foi nas gerações do seu avô e do seu pai que os Garrett aumentaram a área de vinha, hoje 43 hectares, dez deles acabadinhos de converter para biológico. Enólogo, formado entre Montpellier e Bordéus, e regressado há sete anos para ajudar no negócio de família, é Manuel quem orienta a maioria das visitas, sempre por marcação (15 euros a experiência mais simples). Entre as 13 castas que o produtor trabalha hoje — e as mais plantadas são o Chardonnay, nas brancas, e a Tinta Roriz, nas tintas —, destaque para a plantação nova de Fonte Cal (3 hectares), já com plantas da tal selecção clonal.

"Desde 1858" que a família de Manuel Garrett produz vinhos destas vinhas na Covilhã Miguel Manso
O produtor Almeida Garrett focou-se sempre na casta francesa Chardonnay, embora faça outros vinhos, brancos e tintos Miguel Manso
A Adega 23, um projecto do ateliê de arquitectura RUA, em Vila Velha de Ródão Miguel Manso
Manuela Carmona é a médica oftalmologista que decidiu plantar vinha num "terreno completamente selvagem", junto à A23 Miguel Manso
Na decoração da Adega 23, um edifício moderno em betão e revestido a cortiça, a proprietária misturou artesanato local e peças antigas, como esta mesa de uma antiga produção têxtil da região Miguel Manso
A cave de barricas é um dos espaços que impressionam no interior da Adega 23 Miguel Manso
Rufete, o cão que não larga de vista a dona da Adega 23, e que gosta de banhar-se na charca da propriedade de Vila Velha de Ródão Miguel Manso
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"Desde 1858" que a família de Manuel Garrett produz vinhos destas vinhas na Covilhã Miguel Manso

Dizem que é a mais bela adega da Beira Interior. A Adega 23, em Vila Velha de Ródão, que deve o nome à auto-estrada vizinha, é certamente o produtor mais a Sul da vasta e heterogénea região da Beira interior. Nove castas, 12 hectares de vinha, arranque em 2015. Outro projecto de apego à terra, da médica oftalmologista Manuela Carmona, que de "um terreno completamente selvagem" soube criar valor. É de Castelo Branco, mas rumou a Lisboa para tirar Medicina e vive desde então na capital. Sempre a intrigou como é que naqueles solos pobres, tão pobres como o xisto de Foz Côa, ninguém fazia vinho, conta-nos enquanto vigia Rufete, o rafeiro de pêlo azeviche negro que parece saber da agenda agitada da dona.

Tinha uma parte dos terrenos, comprou o resto, vai relatando junto à charca onde costuma levar os visitantes. É um spot bonito, como o é o edifício projectado pelo ateliê RUA, todo revestido a cortiça e "um bocadinho camaleão" — parece mudar de cor conforme a incidência solar. Lá dentro, o betão e a simplicidade e bom gosto que sobressaem da mistura de móveis e objectos antigos (como a mesa centenária na sala de provas, oriunda de uma antiga têxtil da zona, ou a tabela de optotipos que remete para essa outra vida de Manuela), artesanato da região e peças novas. "Nunca quis ter um projecto desligado do que se passa aqui à volta."

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