Direito ao deserto: Barranco do Inferno
Mais um equívoco para juntar à longa lista em que a exibição portuguesa é fértil, Barranco do Inferno é tão frágil que se desintegra ao contacto com a projecção.
O que é este filme português que aparece do nada nas salas de cinema?
É a história de uma banda rock amadora que sonha com o sucesso e um videoclipe no deserto e o seu encontro fatal com uma manager cínica. É também um objecto que confunde “conteúdo audiovisual” com “cinema”: incapaz de encontrar um tom consistente para nos fazer acreditar no que estamos a ver, alternando confrangedoras situações de comédia boçal da escola Malucos do Riso com dramatismos amadores dignos de telenovela (a despropósito, o que estão aqui a fazer Quimbé ou Elmano Sancho?). Tudo filmado com evidente competência técnica a “encher o olho” — mínimo que se esperaria de uma produtora com currículo de publicidade e vídeo institucional — e a mascarar uma fragilidade sincera, mas desalentadora.
Percebe-se a dimensão auto-referencial do projecto, que ficciona a partir das experiências do realizador e co-argumentista Fábio Duque Francisco com a sua própria banda Tones of Rock, e que até poderia estar a jogar com a obscuridade dos aspirantes a vedetas que existem pelo Portugal profundo fora sem nunca encontrar o sucesso (e a trama, aliás, faz pensar no fenómeno em que se tornou José Pinhal). Mas mesmo por aí não conseguimos ver Barranco do Inferno a ultrapassar o pequeno culto das redes sociais, das sessões pontuais ou das plataformas de streaming. Podíamos até vê-lo como uma espécie de The Room português, tal a diferença entre as ambições e a concretização, mas ainda assim há aqui um mínimo de estrutura narrativa ausente dessa mítica calamidade audiovisual.
Também por isso é inexplicável que Barranco do Inferno se estreie em sala, num momento em que o desinteresse do público português pelo seu cinema atinge baixos históricos.