Geórgia. "Tenho esperança nas pessoas que não se cansam de exigir um futuro melhor”

A realizadora georgiana Salomé Jashi manifestou-se contra a lei dos “agentes estrangeiros”. Teme pelo futuro da Geórgia e explica ao PÚBLICO porquê.

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A capital da Geórgia tem sido palco de vários protestos contra a lei dos “agentes estrangeiros”. Às manifestações, as autoridades têm respondido com repressão e violência: balas de borracha, gás lacrimogéneo, granadas de atordoamento, canhões de água e detenções.

Não é a primeira vez que esta lei de inspiração russa traz os georgianos à rua. Já tinha sido proposta em 2023, mas uma onda de contestação acabou por ditar o chumbo da lei. No passado mês de Abril, o Governo da Geórgia voltou a apresentar a legislação dos “agentes estrangeiros”, que Salomé Jashi vê como “um sinal claro de viragem para uma política semelhante à da Rússia”. Os protestos repetiram-se, mas o chumbo não.

Aprovada no dia 14 de Maio, a lei obriga a que todas as organizações não governamentais (ONG) ou meios de comunicação social do país, que recebam pelo menos 20% do seu financiamento do estrangeiro, se registem como grupos “ao serviço dos interesses de uma potência estrangeira”. As entidades assim registadas passam a estar sob vigilância do Ministério da Justiça, podem ser obrigadas a revelar informações sensíveis e estão sujeitas ao pagamento de multas.

“Estamos, na minha opinião, numa situação muito difícil neste momento.” Salomé Jashi nasceu em Tbilissi, onde ainda vive. A documentarista e directora da Associação de Documentários da Geórgia (DOCA) tinha 10 anos quando a Geórgia se tornou independente, em 1991, e acredita que a sua geração cresceu com o país e ajudou a construí-lo. “É por isso que se calhar temos este tipo de sentimento de propriedade e de responsabilidade em relação à Geórgia.”

Durante o último mês, os georgianos têm saído à rua, noite e dia, em protesto contra a lei dos “agentes estrangeiros” e não só. “Testemunhamos a retórica do Governo, que é muito claramente anti-ocidental, anti-UE, anti-democrática e isso preocupa-nos muito.” E os georgianos não são os únicos preocupados. A União Europeia critica a lei aprovada e alerta para o impacto negativo desta decisão no caminho da Geórgia para a adesão.

Estes não foram os primeiros protestos em que Salomé Jashi participou. “O Governo da Geórgia tem vindo a portar-se mal há já algum tempo, para dizer isto de forma suave. O Ministério da Cultura da Geórgia começou a centralizar todas as instituições culturais.” O pouco financiamento que existia para o cinema, parece agora inexistente. Faltam apoios e aumentam os obstáculos. O documentário “Taming the Garden”, de Salomé Jashi, foi retirado de exibição pela Academia de Cinema da Geórgia, por ser “demasiado político” e criar “divergência de opiniões”. O primeiro-ministro, Irakli Kobakhidze, e a ministra da cultura, Tea Tsulukiani, descreveram o filme como “vergonhoso” e “mentiroso”. Para Salomé Jashi, a explicação para esta “crítica” é simples, “deve-se ao facto de o filme abordar o passatempo do homem mais rico do país, Bidzina Ivanishvili”, o “governante sombra do país”, ex-primeiro-ministro e fundador do partido “Sonho Georgiano”, no poder há mais de uma década. “Taming the Garden” não chegou aos cinemas da Geórgia “e foi aí que se deu um dos primeiros casos de censura.”

A “única esperança” de Salomé Jashi está nas próximas eleições legislativas, marcadas para Outubro. “O melhor cenário seria a oposição unir-se, talvez com a actual Presidente da Geórgia, que é muito eloquente e explícita na crítica à actual política governamental, e concorrerem juntos às eleições.” Ainda assim, a realizadora teme que se a lei dos "agentes estrangeiros" entrar em vigor os resultados das eleições não sejam fiáveis. “Vejo uma grande probabilidade de o Governo não ser confiável durante as eleições e de quererem forjá-las.” Salomé Jashi teme que muita gente abandone o país se nada mudar, mas mantém a esperança "nas dezenas de milhares de pessoas que saem à rua todas as noites e que não se cansam de pedir um futuro melhor, de exigir um futuro melhor".