Um tinto do Cartaxo, para tentar acabar de vez com os preconceitos

No lançamento do tinto que celebra os seus 70 anos, a Adega do Cartaxo promoveu uma prova de brancos e tintos velhos que se fossem avaliados às cegas ninguém diria terem sido feitos numa cooperativa.

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O Adega do Cartaxo 70 Anos Edição Comemorativa 2015 assinala o 70.º aniversário da cooperativa da região vitivinícola do Tejo Gonçalo Villaverde
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Em matéria alimentar somos mestres em preconceitos e doutores na arte da perpetuar muitos desses preconceitos. No caso do vinho, os preconceitos das classes A, B e também C dirigem-se para vinhos de determinadas regiões (“ácidos”, “carrascões” ou sem “alma”, por exemplo) e para vinhos de adegas cooperativas, quase sempre associados a produtos de entrada de gama ou de combate para a restauração.

Bem podem as estatísticas demonstrar, a partir de concursos nacionais e internacionais, que os vinhos de cooperativas têm muita qualidade que isso não impede o tal preconceito. Pior ainda. Quando à mesa das tais classes o tema é vinhos de cooperativas a conversa vai sempre bater naquela lengalenga de 'ah e tal, eu ainda sou do tempo em que as cooperativas vendiam vinho a granel a empresas privadas ou para a abastecer as tabernas de Lisboa'. O mundo já deu muitas voltas desde os anos 80 do século passado, mas há ainda quem insista em recordar histórias passadas quando está a provar vinhos feitos há três ou dois anos.

Deitar por terra estes preconceitos demora tempo, dá trabalho e exige algum arrojo, mas a Adega do Cartaxo, que está a celebrar 70 anos, lembrou-se de algo tão simples quanto eficaz: juntar críticos de vinhos para a apresentação de uma edição especial comemorativa do aniversário (o Adega do Cartaxo 70 Anos Edição Comemorativa 2015), não sem antes apresentar dois brancos e três tintos com idades muito respeitáveis.

Em matéria de brancos, um Fernão Pires de 1999 e outro de 2007, ambos com chancela Bridão, que, nos anos 1990, foi um marco de viragem na qualidade dos vinhos da Adega do Cartaxo. Se o primeiro já revelava notas evoluídas, para os lados da laranja confitada, mel, com uma boca algo curta, o segundo é, hoje, um grande branco em qualquer parte do mundo e um belo exemplar da evolução da casta, por via das notas químicas que encontramos nos grandes brancos feitos à base de Riesling, por exemplo.

Aromas de querosene, de funcho, ervas secas e frutas confitadas misturam-se com sabores de frutos em rebuçado, volume de boca impressionante e uma acidez ainda para as curvas, razão pela qual os responsáveis da adega decidiriam — e bem — relançar 150 garrafas desde branco, pelo valor 'estratosférico' de 34 euros a garrafa. Façamos as contas. Se dividirmos 34 euros por 17 anos temos uma receita anual de 2 euros ao ano para Adega do Cartaxo com este vinho. Uma fortuna! Seja como for, quem quiser fazer um bom negócio só tem de esperar até ao dia do Fernão Pires (20 de Junho) para comprar este Fernão Pires 2007.

Quanto a tintos, um de 1978, outro de 1995 e outro ainda de 1998 (estes dois já com a marca Bridão). Qualquer um dos vinhos deu boa prova, embora, claro, o 78 já revelasse algum cansaço (pudera). E se o 95 destacou-se pelas notas de frutos secos, madeira e taninos igualmente mais secos, o Bridão 98 estava fantástico. Vivo e misterioso, revelava notas de tabaco de charuto, gerânio e frutos vermelhos. Na boca, muito fino, elegante, sedoso e vivo, cortesia, em parte, da presença da Trincadeira no lote, a provar que é mesmo uma grande casta.

Donde, o que podemos concluir daqui? Primeiro, que só mesmo alguém com um nível de preconceito elevado ao cubo desdenharia estes vinhos; segundo, que a Adega do Cartaxo terá em armazém preciosidades antigas que se calhar nem lhes dá atenção porque, enfim, isto não faz rolar muito dinheiro (mas devia porque isso é importante para notoriedade da casa); terceiro, que castas como Fernão Pires, Trincadeira e Castelão têm de continuar a destacar-se no portfólio da casa como elementos de identidade da região do Tejo; e, quarto, que o potencial da adega, seja em matéria de qualidade e diversidade de uvas, seja em termos técnicos com a liderança de Pedro Gil na enologia, deve levar a Adega do Cartaxo a apresentar vinhos com perfis diferenciados para todos os targets, não por via do preço ou da tecnologia mais ou menos exigente, mas por via do desafio que as novas tendências impõem à produção.

Não, não estamos a pedir que Pedro Gil se meta a fazer vinhos ditos naturais que isso afectaria a sua natureza marcadamente calma. Estamos a falar do lançamento de chancelas com menos extracção, menos peso de madeira nova, menos álcool e mais peso de castas identitárias da região do Tejo. Sim, o mercado manda, mas os preconceitos também se diluem quando uma cooperativa consegue acompanhar o ar dos tempos e mostrar diferença e arrojo. Os preconceituosos ficam à rasca com a criatividade que não esperavam.

O Adega do Cartaxo 70 Anos Edição Comemorativa 2015, que é o que nos traz a isto, é um blend trabalhado ao detalhe, de vinhos de Touriga Nacional, Alicante Bouschet, Trincadeira, Cabernet Sauvigon, Merlot, Syrah e Tinta Roriz e resulta de uma selecção das melhores barricas da colheita de 2015 das marcas Desalmado, Bridão Reserva, Bridão Private Colection, Bridão Alicante Bouschet, Bridão Touriga Nacional e Bridão Reserva.

Quando fez o lote final, em 2017, Pedro Gil não tinha intenção de celebrar os 70 anos da Adega com Cartaxo com este vinho. Foi a evolução ao longo do tempo que ditou a decisão final. É um vinho para viver décadas, caso a adega decida guardar algumas das 1954 garrafas para fazer um segundo ou terceiro lançamento.

Quando este vinho nasceu, há nove anos, ainda vivíamos os restos da moda dos vinhos concentrados e potentes. E este tinto é um bom exemplo. Para a celebração dos 80 anos da Adega do Cartaxo o mais plausível é que Pedro Gil lance um vinho com um perfil mais elegante, mais leve, com menos madeira nova e a puxar mais para a região do Tejo e menos para o Novo Mundo. É verdade, as modas são lixadas, mas é a vida.

Nome Adega do Cartaxo 70 Anos Edição Comemorativa 2015

Produtor

Castas Tejo

Região Tejo

Grau alcoólico 14,5%

Preço (euros) 70

Pontuação 95

Autor Edgardo Pacheco

Notas de prova Trata-se de um blend trabalhado ao detalhe e que resulta de uma selecção das melhores barricas da colheita de 2015 das marcas Desalmado, Bridão Reserva, Bridão Private Colection, Bridão Alicante Bouschet, Bridão Touriga Nacional e Bridão Reserva. Quando fez o lote final, em 2017, Pedro Gil não tinha intenção de celebrar os 70 anos da Adega com Cartaxo com este vinho. Foi a evolução ao longo do tempo que ditou a decisão final (só por aqui se vê a quantidade de lotes que estarão em estágio na adega). É um tinto poderoso, cheio de frutos pretos de baga, compota e chocolate e notas de barrica. Na boca, é potente, mas fresco, sedoso e com as notas do estágio em madeira sempre presentes. Claramente um vinho para viver décadas.

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