Falámos com jovens sobre consentimento: entendem o que é, mas nem sempre pedem

Perante cenários hipotéticos, os participantes do estudo mostraram compreender o que é o consentimento, mas nem sempre o pedem — acreditam que até pode estragar o momento.

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O consentimento tem vindo a ser um tema de grande atenção na Austrália ao longo dos últimos anos.

No início de 2022, o governo federal incluiu a educação para o consentimento nas escolas. Isto incluiu informação sobre o que é o consentimento e como garantir relações consensuais.

Quatro estados (Victoria, New South Wales, Queensland e Tasmânia) e o Território da Capital Australiana aprovaram leis relacionadas com o consentimento. Ainda que a formulação das leis seja diferente entre jurisdições, o “consentimento afirmativo” pode ser definido como a necessidade de “cada indivíduo que participe num acto sexual tomar a iniciativa de dizer ou fazer algo para assegurar que a outra pessoa envolvida está a consentir a actividade sexual”.

Também existiram campanhas importantes, como a Não Tenhas Dúvidas, em New South Wales, para educar acerca do sexo consensual, seguro e prazeroso.

Um desafio relacionado com a educação para o consentimento é como é que se pode traduzir para situações da vida real. Como parte de uma investigação mais abrangente que procura resposta a esta questão, quisemos perceber como é que os jovens heterossexuais percepcionam e aplicam a ideia de consentimento.

O nosso estudo descobriu que ainda que os participantes entendessem o conceito de “consentimento afirmativo”, nem sempre o punham em prática no calor do momento.

Entender o consentimento

A nossa investigação incluiu um grupo diverso de 44 homens e mulheres entre os 18 e os 35 anos, que estavam em relacionamentos, a ter encontros ou solteiros. Falámos com eles em grupos de foco e apresentamos uma variedade de cenários heterossexuais de consentimento para discutir.

Queríamos entender como é que os participantes achavam que as personagens deviam agir naquelas situações e como lidariam se fossem eles naquele cenário. Os cenários foram pensados de forma a ser ambíguos, sem uma resposta clara.

Um exemplo foi o cenário da Julia e do Mark. Encontram-se para beber uns copos no primeiro encontro e a química é forte. Acabam na casa de Julia, onde ela diz querer levar as coisas com calma e não querer fazer sexo naquela noite. Depois disso, começam a envolver-se e a tirar peças de roupa. Mark hesita, sem certezas se deve continuar, e Julia também não sabe como indicar o seu interesse noutros tipos de intimidade depois de ter imposto um limite.

Além dos cenários, pedimos aos participantes para partilharem o seu entendimento de consentimento, e as suas reflexões acerca das expectativas de cada género no que toca a sexo, encontros, entre outros.

Os participantes demonstraram um entendimento claro de práticas de consentimento, em linha com o quadro de “consentimento afirmativo”. Isto incluiu o entendimento de que o consentimento era responsabilidade de todos os envolvidos. Danny, de 23 anos, disse:

É uma responsabilidade igual, a meu ver.

Os participantes também referiram que comunicação aberta e directa, acompanhada de confirmações verbais consistentes era importante. Abigail, de 26 anos, disse:

Ambas as partes têm de activamente criar e a confirmar os limites à medida que vão avançando.

A teoria versus a realidade

Apesar de parecerem entender os princípios do consentimento, os participantes reagiram de forma diferente quando lhes foram apresentados cenários diferentes. Em vez de atribuírem responsabilidades iguais, a maioria dos participantes defenderam que os homens eram responsáveis por pedir consentimento e as mulheres por dar.

Ao discutir os cenários, os participantes sublinharam a necessidade de evitar assumir coisas e de encorajar uma comunicação aberta. Mas as suas perspectivas mudavam quando se discutiam experiências pessoais e consentimento sexual. Aqui, os participantes esperavam que os seus parceiros entendessem os limites típicos de uma relação sexual, sugerindo que existe uma espécie de senso comum do que é “normal”.

De facto, os participantes sentiram que seguir uma boa comunicação poderia diminuir o prazer das relações sexuais. Alguns admitiram que ainda que soubessem qual a abordagem ideal, nem sempre conseguiam segui-la. Alice, uma jovem de 25 anos, referiu:

Tudo está a correr bem e estamos a desfrutar, e depois passamos para o quarto e as coisas parecem fluir. Desta forma, sinto-me confortável não tendo essa conversa.

Lenore, de 28 anos, disse:

Às vezes, uma conversa pode quase matar a vibe. Se aquele momento for excitante e apaixonado, se lhe estiveres a dar todos os sinais e ele a ti.. se ele se lembrasse de perguntar “só quero confirmar se está tudo bem contigo’, eu ia ficar tipo "vamos lá ao que interessa".

Jeremy, 34 anos, afirmou:

Perguntei várias vezes à outra pessoa se estava bem, se aquilo era ok, e respondeu-me “não, arruinaste o momento”. Fiquei bastante perplexo, enquanto pessoa que acredita em assegurar-se que está a agir dentro do consentimento.

Os participantes também defenderam que o consentimento era mais importante em algumas situações do que noutras. Ao discutir um dos cenários, Lenore disse:

Iria depender do que ele [uma das personagens dos cenários] tentasse, honestamente. Se ele me virasse ao contrário e me pusesse noutra posição, sim, claro, tudo bem. Mas se ele me batesse na cara no meio do sexo sem confirmar isso antes, não. Dependeria completamente do que seria e da forma como fosse feito.

Implicações

O nosso estudo é relativamente pequeno e não pode ser generalizado à restante população australiana. Também nos focamos apenas em consentimento em relações heterossexuais.

Ainda assim, a nossa investigação dá alguma informação sobre como os jovens podem estar a navegar no consentimento durante o sexo. Os resultados não implicam que a educação sexual seja ineficiente. Ao invés, mostram uma lacuna entre o saber e o aplicar o conhecimento.

As nossas conclusões também apontam para um assunto mais complexo: a necessidade de a sociedade como um todo repensar a comunicação sexual e o consentimento. Uma em cada cinco mulheres viveu alguma situação de violência sexual, o que sugere problemas mais profundos de dominação masculina e da atitude da sociedade em relação às mulheres. Focar-se no consentimento entre parceiros sexuais é uma forma de mudar essas atitudes.

As relações sexuais geralmente envolvem camadas de emoção e experiência, influenciadas pela cultura, religião e outros factores, com elementos como a vergonha, o prazer, a alegria, a incerteza, o medo e a ansiedade.

Entender as complexas variáveis que levam à tomada de decisão nestes contextos é crucial para criar recursos educacionais que ajudam as pessoas a navegar no consentimento em diferentes situações.


Exclusivo P3/The Conversation
Andrea Waling é investigadora de sexualidade na Universidade La Trobe
Alexandra James é investigadora no Centro de Investigação de Sexo, Saúde e Sociedade na Universidade La Trobe
Lily Moor é aluna de doutoramento no Centro de Investigação de Sexo, Saúde e Sociedade na Universidade La Trobe

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