Rui Costa suspeito de crimes em transferências do Benfica
Investigação diz que Benfica simulava negócios com V. Setúbal para retirar dinheiro da esfera da SAD. Presidente “encarnado” nega ilegalidades e diz ter sido sempre “leal” ao Benfica.
O presidente do Benfica, Rui Costa, é um dos arguidos num processo que investiga suspeitas de oferta indevida de vantagem e fraude fiscal qualificada. De acordo com um despacho do Ministério Público (MP) a que o PÚBLICO teve acesso - e que foi entregue a Rui Costa no início desta semana - as autoridades suspeitam que foram traçados dois planos criminosos que passavam por falsear negócios que retiraram mais de 6,7 milhões de euros da esfera da SAD benfiquista.
Um dos planos, traçado entre 2016 e 2019, envolve o V. Setúbal. Seriam emitidas facturas falsas para sustentar os alegados contratos ficcionados. Além do actual dirigente do clube da Luz, são também implicados Luís Filipe Vieira (ex-presidente), Domingos Soares de Oliveira (ex-administrador financeiro da SAD) e Paulo Gonçalves (antigo responsável jurídico).
Tal como o PÚBLICO noticiou esta terça-feira, o actual presidente do Benfica prestou declarações nesse dia no Departamento Central de Investigação e Acção Penal (DCIAP), no âmbito do "processo dos emails". Foi neste interrogatório que o presidente benfiquista conheceu o teor das imputações do MP, numa altura em que este inquérito se aproxima do fim: as autoridades acreditam que os homens ligados ao Benfica tinham a intenção de "proporcionar liquidez" ao clube sadino, fazendo alusão a vários contratos que levantam suspeitas. A investigação diz ainda que o Benfica pagou ao V. Setúbal por direitos de preferência de jogadores que já estariam abrangidos por outros contratos firmados entre as duas sociedades.
Os investigadores não terão conseguido fazer uma ligação directa entre o suposto domínio exercido pelas "águias" junto do V. Setúbal e vantagens conseguidas dentro das quatro linhas. Também não é claro qual foi o rumo dado ao dinheiro retirado da SAD do Benfica.
O Ministério Público suspeita ainda que, pelo menos desde Junho de 2014, os quatro responsáveis do Benfica tinham um plano para desviar elevadas quantias do clube através de negócios ficcionados de intermediação de jogadores. Os procuradores assumem que não conseguiram perceber as finalidades desses desvios que terão obrigado o clube a pagar mais de 5,1 milhões de euros em serviços que de facto não terão sido prestados. Uma parte do dinheiro foi paga a um clube de futebol brasileiro e outra a empresas controladas por um amigo de Luís Filipe Vieira e de Paulo Gonçalves.
O DCIAP considera, contudo, que o Benfica beneficiou das facturas falsas e dos negócios forjados já que esses documentos foram apresentados às finanças como custos do clube, que, por causa deles, recebeu reembolsos e atribuições patrimoniais que não lhe eram devidos. Daí as suspeitas de fraude fiscal qualificada e burla tributária.
Presidente nega ilegalidades
Rui Costa reagiu às suspeitas na noite desta quinta-feira. O dirigente assinou um comunicado publicado no site oficial do clube, negando qualquer ilegalidade: "Sempre fui, e sou, totalmente leal ao Benfica, e não aceito insinuações ou afirmações de conduta menos própria, ou de compactuar com qualquer coisa ilícita."
No período abrangido pela investigação, Rui Costa era administrador e braço-direito de Luís Filipe Vieira, antigo presidente. O actual líder benfiquista nega ter conhecimento do plano descrito pelas autoridades: "Em face das notícias hoje [quinta-feira] publicadas, repudio totalmente ter tido conhecimento ou intervenção em qualquer suposto plano para desviar fundos do Benfica ou da Benfica SAD, seja através da negociação de jogadores, seja de qualquer outra forma."
Luís Filipe Vieira será chamado para ser ouvido no caso. O antigo presidente é outro dos implicados no alegado esquema e exercia as funções de presidente do clube no período temporal abrangido pela investigação.
O caso dos emails
Tudo começou numa noite em Abril de 2017, momento em que Francisco J. Marques, director de comunicação do FC Porto, divulgou em directo no Porto Canal correspondência electrónica trocada entre dirigentes benfiquistas. Garantindo desde o primeiro momento que recebeu os emails de fonte anónima e sem qualquer contrapartida, o director de comunicação do FC Porto apontava uma série de ilícitos alegadamente cometidos pelo emblema da Luz, numa divulgação que ocorreu em 20 programas semanais.
Como consequência, o Benfica moveu contra os “dragões” um processo cível em que exigia uma indemnização de 17,7 milhões de euros. Foram ainda levados a tribunal os responsáveis da comunicação portista. Mas, a par destas investigações à revelação da correspondência electrónica, as autoridades abriram uma investigação ao conteúdo dos emails. O processo aberto em 2017 está em segredo de justiça há pouco mais de sete anos, originando investigações paralelas que têm pontos de cruzamento com o caso dos emails.
Além da correspondência electrónica divulgada por Francisco J. Marques no Porto Canal, o responsável portista adiantou ter cedido à Polícia Judiciária todo o manancial de informação recebido de fonte anónima. Para os portistas, os emails mostravam uma clara tentativa de o Benfica controlar as instâncias judiciais e desportivas, um "polvo" de influência – como baptizaram os "dragões" – nas mais variadas áreas da sociedade portuguesa.
O Benfica sempre negou essas acusações, defendendo a verdade desportiva do tetracampeonato conquistado entre 2014 e 2017. Seguem-se agora, nos próximos dias, as audições no DCIAP aos restantes elementos do Benfica implicados nesta nova investigação.