Ana Jorge diz que ministra falou em reestruturação e perguntou “quantos ia despedir”

Provedora conta que, na reunião de 12 de Abril, disse à ministra que queria ficar e que lhe foi dado a entender que ficaria. Ana Jorge informou ministra sobre medidas de sustentabilidade já aplicadas.

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Ana Jorge tomou posse como provedora a 2 de Maio de 2023 e foi exonerada a dia 30 de Abril de 2024 Daniel Rocha
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Ana Jorge, que foi exonerada do cargo de provedora da Santa Casa da Misericórdia de Lisboa (SCML) a 30 de Abril, esteve nesta quarta-feira, 15 de Maio, na Comissão de Trabalho, Segurança Social e Inclusão, onde explicou aos deputados que quando a ministra Rosário Palma Ramalho lhe falou do plano de reestruturação também lhe perguntou "quantos ia despedir". "Fiquei sem perceber o que pretendia dizer com o plano de reestruturação, mas o que me pareceu é que estava a falar de despedimentos e foi por isso que, quando me perguntou quantos ia despedir, eu disse 'nenhum'", relatou.

A provedora revelou ainda que, em vez de despedimentos, sugeriu à ministra um plano de reformas antecipadas, uma vez que havia muitos profissionais que já tinha demonstrado interesse porque já não se sentiam produtivos, mas referiu que tudo isso teria de ser bem pensado para não comprometer a prestação de cuidados. Porém, a ministra terá respondido que essa estratégia de reduzir custos com as reformas antecipadas “não era uma solução”.

Ana Jorge contou que, a 12 de Abril, se reuniu com a ministra do Trabalho, Solidariedade e Segurança Social e que a " conversa foi, apesar de tudo, simpática". Ana Jorge garantiu que levou 25 documentos (entre os quais relatórios de contas de 2021 e 2022 e a auditoria da consultora BDO), explicou que medidas de sustentabilidade financeiras urgentes já tinha levado a cabo desde Junho de 2023 e disse que tinha interesse em manter-se no cargo. A ministra terá, segundo a provedora, dado a entender que a própria Ana Jorge ficaria, tanto que também "avaliaram a composição da mesa". "Após a demissão da vice-provedora, Ana Vitória Azevedo, que foi bom ter saído, além desse cargo, faltava outro elemento na mesa", sublinhou.

A provedora sublinhou que desempenhou vários cargos políticos “sempre com muito orgulho, muita dedicação e lealdade”, acrescentando que, sempre que foi chamada “ao exercício da política”, procurou defender uma sociedade mais justa e progressista. “Aliás, foi sempre este o meu fascínio da política", disse, para a seguir reafirmar a sua indignação para com as acusações de que foi alvo em entrevista à RTP, na qual Rosário Palma Ramalho afirmou que a mesa teria agido em benefício próprio no aumento dos seus salários. “Revelam um total desconhecimento porque os vencimentos são fixados pelo membro do Governo da área da Segurança Social, tendo como referência o estatuto do gestor público que é equiparado a empresa do grupo A e com nível de complexidade 1”, sustentou.

De seguida, a provedora explicou em que situação se encontrava a Santa Casa quando tomou posse, em Maio de 2023. Segundo Ana Jorge, a Santa Casa estava em situação de “ruptura de tesouraria de 25 milhões de euros e com a necessidade de um reforço financeiro de mais de 50 milhões para cumprir compromissos, como despesa com pessoal, sendo que estava em risco o pagamento dos salários de Setembro”.

Além disso, sublinhou ainda o facto de ter herdado "do anterior provedor previsões excessivas de receita com venda de imóveis para permitir acomodar custos sem cobertura, um saldo de tesouraria que caiu 90 milhões entre 2021 e 2022, a existência de 30,4 milhões em garantias bancárias em nome da Cruz Vermelha e da Santa Casa Global, empresa de internacionalização".

A provedora explicou que a Santa Casa tem uma grande dependência da receita dos jogos sociais, mas que apenas recebe 26,5% destas. "Entre 644 milhões de euros de receitas anuais, a Santa Casa recebe 170 milhões de euros", acrescentando e detalhando os valores que são distribuídos pelos vários ministérios e pelos Açores e Madeira.

Ana Jorge assegurou que “nunca houve inacção”. “Nós trabalhámos arduamente, pagámos salários, cumprimos com fornecedores, praticamente não temos endividamento bancário”, afirmou, acrescentando que ainda “há tempo de recuperar e restaurar a Santa Casa”, mas que ainda “há muito para fazer”. E contra essas acusações de inacção que o Governo lhe fez, a provedora atirou com os resultados de 2023: "O último relatório de contas foi entregue a 30 de Abril e dá um resultado positivo de 2,4 milhões de euros, mesmo com a diminuição das receitas dos jogos sociais.”

“Não fizemos nada?", questionou. Para a seguir desfiar um rol de medidas que a mesa que liderou levou a cabo. Ana Jorge sublinhou que a mesa deliberou no sentido de garantir que as despesas mesmo orçamentadas teriam de ter cabimentação prévia para poderem ser aprovadas e que até as autorizações de despesas dos membros da mesa diminuíram. Exemplificou que, no caso da provedora, passou a ser exigida autorização até 25 mil euros em vez de cem mil euros, e no caso dos restantes membros, passou de 50 mil para 10 mil euros.

Acresce que foram também suspensas novas admissões ou promoções e renovação das comissões de serviço e foi implementado um “plano faseado de redução da estrutura orgânica da SCML”, com a redução de 42 lugares de chefia em 2023 e não apenas 19 como referiu a ministra. No que diz respeito aos cortes na despesa, Ana Jorge acabou por confessar que reduziu em dois milhões de euros os apoios ao desporto, mas lembrou que este sector beneficia de outro tipo de apoios.

A provedora também atirou para cima da mesa com a renegociação dos contratos de prestação de serviços ao Serviço Nacional de Saúde (SNS) já este ano, o que permitiu aumentar a receita em cinco milhões de euros.

Sobre a informação que a tutela lhe pediu, a provedora disse aos deputados que foram exigidos mais de 30 documentos, desde listas nominais de funcionários e dirigentes com respectivas remunerações e subsídios, e evolução entre 2020 e 2023 e previsão para 2024, a lista de apoios e patrocínio dados entre 2020 e 2023 por entidade e valores anuais, imóveis e receitas, seguros de trabalhadores, impacto económico anual do acordo de empresa. Ana Jorge garantiu que enviou tudo o que lhe foi pedido, não no dia seguinte, dada a dimensão, mas enviou.

Gestores custaram 850 mil euros à Santa Casa

Já sobre o polémico projecto da internacionalização dos jogos sociais da Santa Casa, Ana Jorge afirmou de forma peremptória: “Manter a internacionalização era comprometer a sustentabilidade financeira e o trabalho social da instituição, permitiria branquear situações que considero no mínimo menos claras.”

A provedora relatou que os ex-gestores da Santa Casa Global, Ricardo Gonçalves e Francisco Pessoa e Costa, estiveram “dias sentados” à sua porta quando assumiu o cargo, em Maio de 2023, para a pressionar a assinar uma garantia bancária de nove milhões de euros, e justificou a paragem das operações das empresas no estrangeiro com o facto de a Santa Casa já não ter naquela altura capacidade financeira.

Além disso, Ana Jorge sublinhou o facto de a informação obtida pela auditoria revelar que há “despesas opacas e pouco fundamentadas” e que, “entre remunerações, ajudas de custos, senhas de presença e despesas pessoais, como creches, os encargos com os dois administradores totalizam 850 mil euros, 500 mil euros para o ex-presidente Ricardo Gonçalves e 350 mil euros para Francisco Pessoa e Costa”.

E questiona: “Se a MCE (empresa no Rio de Janeiro da qual a Santa Casa Global tem 55%) recolhia o dinheiro da lotaria para a entregar à empresa pública Loterj e se depois esta entregava 40% à MCE, e era esse dinheiro que servia para pagar as despesas e os salários, porque parou esse circuito financeiro?” De acordo com a provedora, a informação é que o jogo continuou a ser vendido nos pontos de venda geridos pela MCE e o dinheiro da venda deveria ter sido entregue à Loterj, e essa é a dívida que a Loterj reclama num dos processos contra a SCML enquanto accionista da MCE. “Não existe rasto desse dinheiro nas conta da MCE” , sustenta Ana Jorge, que também desvalorizou as propostas de compra dos negócios do Brasil referidas pelos gestores da Santa casa Global nas suas audições. “Tinham por base pressupostos que não se verificavam”, disse.

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