Não mais dançar por um triz

Poesia Pública é uma iniciativa do Museu e Bibliotecas do Porto comissariada por Jorge Sobrado e José A. Bragança de Miranda. Ao longo de 50 dias publicaremos 50 poemas de 50 autores sobre revolução.

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Viver por um fio — não
costurar contínuas cicatrizes
do medo ser aprendiz — não
há um espaço a clamar por mais
espaço: liberdade
um salto para fora da labiríntica
sinuosa vertigem: dançar

(enquanto há música
há revolução) e se

alargar o imaginário é alargar a liberdade
é preciso voltar a desenhar linhas de fuga
perguntar se só existe o que se nomeia
voltar a gerar vida no ventre do espanto
à infância voltar, a um ritmo primeiro
da pergunta que faz rodar mil sóis
dos instrumentos de sopro levando
a alegria mais além, mais além
alargar o movimento é alargar a possibilidade
um corpo que dança é um corpo que se funde
ampliar a claridade: é isso o gesto da harmonia?
Liquidez, abram-se margens azuis de nadar
às fronteiras de betão e vento mandem-nas calar
pergunte-se à memória de onde vem este eco-o
é preciso lembrar a palavra, inventar a palavra

(que palavra)

e se somos mais do que miniaturais vontades
mais do que presas-predadores, plantadores de beleza
trago sais e minerais para tecer o que se rompeu
átomos e linho para a curva do universo: raiz
trago árvores fundas cravos altos todo o desejo
sombra nenhuma e um apelo de corpo dormente
a que volta o sangue e o sonho

(tantas palavras há à espera de uma voz)

e um apelo de corpo dormente

a que volta o sangue e o sonho

não mais dançar por um
triz.


Marta Pais Oliveira (Porto, 1990) publicou em 2021 o seu primeiro romance, Escavadoras, vencedor do Prémio Literário Revelação Agustina Bessa-Luís. Seguiram-se os contos O homem na rotunda, Quando virmos o mar e Medula (Prémio Literário Nortear 2022 – Galiza e Norte de Portugal). Escreveu os libretos Maria Magola e Madrugada: as razões de um movimento. Acredita na liberdade da palavra.

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