As europeias são a “segunda volta” das legislativas (e primárias das eleições antecipadas)
O resultado das últimas eleições foi quase um “empate técnico” – embora a maioria seja, efectivamente, de direita, com os 50 deputados do Chega. As europeias vão ser a “segunda volta” das legislativas
Estamos já a menos de um mês das eleições para o Parlamento Europeu mais importantes de sempre. Se é verdade que a política nacional costuma “contaminar” toda a campanha das europeias – a discussão efectiva sobre Europa, descontando os slogans, sempre foi muito residual –, desta vez o resultado vai ter uma importância como provavelmente nunca aconteceu.
É verdade que as europeias de há 10 anos trouxeram consequências políticas para o PS, depois de vencer as eleições com 31%, resultado que António Costa achou “poucochinho”, e António José Seguro acabou, meses depois, afastado da liderança socialista.
Mas em 2014, como em todos anos antes e depois, o resultado das europeias não teve nenhum efeito sobre o governo em funções. Aliás, quando ainda era primeiro-ministro, António Costa costumava dizer, antecipando uma eventual derrota do PS em Junho, que nenhum governo alguma vez tinha caído por uma derrota nas eleições europeias.
Na realidade, quando muito houve um primeiro-ministro que desapareceu para Bruxelas depois de uma derrota numas eleições europeias. Em 2004, Durão Barroso perdeu largamente para o PS de Ferro Rodrigues, que, nesse 13 de Junho, obteve 44,5% dos votos contra apenas 33% da coligação PSD/CDS. Esta interpretação de que Barroso teria seguido para a Europa por ter percebido que já não tinha o apoio popular foi muito comentada na época, mas falta-lhe o contrafactual. Se a coligação de governo tivesse vencido as europeias, Durão Barroso não acabaria por aceitar na mesma o cargo de presidente da Comissão Europeia? Sim, provavelmente.
Nestas europeias não está em causa a queda de um governo ou a de um líder do maior partido da oposição (as duas afastadas, a menos que houvesse um cataclismo). Está em causa outra coisa menos palpável que traduzirá o ar do tempo – que os alemães costumam identificar com a belíssima palavra “zeitgeist”.
Uma vitória da AD reforçará (ainda por cima se essa vitória ficar a uma razoável distância do resultado do PS) o Governo e fará com que o PS queira evitar eleições legislativas a curto prazo. O Orçamento do Estado pode acabar por ser viabilizado, se o PS entender que os eleitores o condenaram a uma cura de oposição maior do que o resultado das legislativas, em que os socialistas elegeram o mesmo número de deputados que o PSD, indiciava.
E é exactamente por causa de as legislativas se terem saldado quase por um “empate técnico” – embora a maioria seja, efectivamente, de direita, com os 50 deputados do Chega, com quem a AD não se quer aliar – que estas europeias se vão transformar numa espécie de segunda volta das eleições de 10 de Março.
Uma vitória muito confortável do PS terá o efeito inverso. Dará uma força renovada ao maior partido da oposição, colocando-o ainda mais capaz de fazer real oposição ao Governo (como tem feito neste primeiro mês, com sucesso), de chumbar sem muitos problemas o Orçamento do Estado, e também de se colocar na pole position para umas futuras eleições legislativas antecipadas.
Resta saber o peso do Chega numas eleições sempre marcadas por elevada abstenção, em que o cabeça de lista, António Tânger Corrêa, propaga teorias da conspiração anti-semitas, como fez na entrevista ao Observador.
Os precedentes políticos em Portugal ditavam que as eleições para o Parlamento Europeu serviam para um voto de protesto, fosse ele qual fosse, sem consequências (a excepção foi a liderança de Seguro, que não era governo). Desta vez, o país está de facto em suspenso por este resultado. Ainda não tínhamos experimentado isto de uma forma tão interessantemente dramática.