As trágicas inundações que assolaram o Rio Grande do Sul, no Brasil, têm ocasionado números crescentes de desalojados, desaparecidos e outras consequências mais graves. As minhas memórias e de outros 11 milhões de conterrâneos estão debaixo de água. São 425 cidades afectadas, mas há quem ainda não tenha percebido a gravidade do assunto.
No terreno da desgraça, a sociedade civil tomou conta daquilo que as autarquias não chegaram perto de garantir. No Sul do Brasil, é o povo que está a salvar o povo. São civis de todo o Brasil, incluindo alguns dos Gigantes da Nazaré, que estão a resgatar a população, a organizar os abrigos, a receber os donativos, a proteger as mulheres e as crianças e a cozinhar toneladas de comidas diariamente. Falta-lhes segurança, mas sobra-lhes esperança e é isso que temos tentado passar com os pedidos de apoio à comunidade internacional.
Do lado de cá do oceano algo similar acontece. Enquanto os consulados emitem notas públicas de desencorajamento da mobilização social, imigrantes brasileiros unem-se aos amigos portugueses numa corrente de solidariedade de quem compreende que nada está bem, mas tudo estará ainda pior se não nos mexermos.
Apesar de tudo, são notórios e preocupantes os comportamentos de terceirização da responsabilidade por aqueles que fazem da temática do desenvolvimento sustentável e dos direitos humanos o seu trabalho. Observamos uma desconexão entre a retórica sobre desenvolvimento e inovação e a prática concreta de ajudar as comunidades afectadas por esta e outras catástrofes climáticas. Discursos grandiosos são pronunciados em fóruns internacionais, enquanto as pessoas afectadas esperam por acções que realmente tenham impacto nas suas vidas.
Eu não quero desmerecer a importância de todas as peças para o funcionamento desta engrenagem empenhada em termos um futuro ambiental, social e economicamente mais sustentável, mas é preciso reconhecer que os discursos têm de mudar. Deixemos de lado narrativas futuristas do que acontecerá em 2050 ou 2070. O Plano 2030 não é ambicioso o suficiente e o colapso terá data marcada se não ousarmos sermos audaciosos o suficiente para reverter a situação. Assumamos o presente: as catástrofes climáticas estão a acontecer agora e é sobre isto que temos de agir.
“Temos”, nós, no colectivo, na associação de forças de todos os tipos e tamanhos, civis ou governamentais. Não podemos dar-nos o luxo de assistirmos a mais uma tragédia enquanto acreditamos que alguém mais irá resolver o problema ou que as autoridades locais estão equipadas para lidar com a situação. Enquanto estamos nestas discussões entre o “vou eu ou tu?”, no ápice do "efeito espectador", ninguém vai, mas há milhões de pessoas que sofrem.
É inadiável que as autoridades e organizações internacionais concentrem seus esforços em acções concretas que abordem as causas estruturais das inundações. Isso inclui investir em infra-estrutura resiliente, promover realocação segura para comunidades em áreas de risco e implementar soluções baseadas na natureza para lidar com eventos extremos. É imprescindível que pessoas com grande alcance público e influência utilizem as suas plataformas para mobilizar seguidores e mostrar, pelo exemplo, como podemos contribuir significativamente para os esforços de assistência e recuperação. É urgente distanciarmo-nos do discurso privilegiado de quem acredita que temos tempo para agir com calma.
Sem calma ou tempo a perder, a melhor e mais segura forma de ajudar os afectados pelas inundações do Rio Grande do Sul são os apoios financeiros. Deixo aqui, portanto, o meu apelo para que doem e mobilizem quem pode doar. Escolham a dedo uma instituição, uma pessoa, uma conta do governo, uma organização de voluntariado. Façam todas as perguntas que quiserem para terem a certeza de que o dinheiro estará bem destinado, mas não deixem de doar. E não meçam esforços. Toda ajuda é uma grande ajuda!
“Eu quero me banhar nas fontes e olhar o horizonte com Deus
E sentir que as cantigas nativas continuam vivas para os filhos meus
Ver os campos florindo e crianças sorrindo felizes a cantar
E mostrar para quem quiser ver um lugar pra viver sem chorar
É o meu Rio Grande do Sul céu, sol, sul, terra e cor
Onde tudo que se planta cresce
E o que mais floresce é o amor”
Trecho da canção Céu, Sol, Sul, Terra e Cor, composta por Leonardo.