Num país “marcadamente machista”, Francisca Siza desvenda em Las Hijas del Maguey a história das mulheres envolvidas na produção de mescal, a conhecida bebida alcoólica do México. A produção do licor é uma tradição do país que sempre foi dominada por homens. “Uma mulher dizer que produzia mescal era como confessar um pecado”, diz-se no trailer.
O documentário está a percorrer o circuito de festivais de cinema internacionais e ainda não tem data para ser apresentado em Portugal. Por enquanto, foi distinguido, em Abril, com o prémio de melhor documentário do Puerto Aventura Internacional Film Festival, no México. Na prateleira já estavam os prémios de Melhor Filme sobre Igualdade, Questões e Direitos de Género, do Berlin Kiez Film Festival, e de Melhor Primeiro Documentário, no Stockholm City Film Festival, na Suécia. O documentário é a primeira longa-metragem de Francisca Siza e é produzido por Gautier Heins.
Um ano antes do início das filmagens, Francisca Siza, 32 anos, que se apresenta como artivista, conheceu a presidente da associação Mujeres del Mezcal, Yolanda Ruiz, nas ilhas de Guadalupe, num concurso de bebidas espirituosas que estava a filmar. Yolanda Ruiz era júri e contou-lhe a história da comunidade e o que cada mulher teve de enfrentar para poder produzir a bebida.
A vida de Maria Luz Saavedra, vice-presidente da associação, foi uma das histórias que chamou a atenção de Francisca e de Gautier, uma vez que foi alvo de duas tentativas de assassinato para conseguir “ir para a frente com esta associação”. “Entretanto, o marido dela morreu e ficou a dedicar-se a 100% a ajudar estas mulheres”, conta. Foi então que Siza percebeu que este grupo, que trouxe mais dignidade às mulheres mexicanas, “merecia e precisava de ter alguma visibilidade”. Neste momento, a associação sem fins lucrativos, que funciona há 25 anos, conta com mais de 500 mulheres em todo o México.
Com recursos limitados e um orçamento escasso, a equipa partiu para o México onde esteve a filmar durante “30 dias seguidos”, em vários pontos do país. “Não tínhamos dinheiro, então não tínhamos as melhores condições para estar [lá]. Mas ao estar com estas mulheres, ao acompanhá-las, perceber o trabalho delas no dia-a-dia e perceber o que elas fazem e o quanto se abriram foi algo que nos fez continuar. Elas eram inacreditáveis”, contou Francisca, que fez um Mestrado em Cinema Documental na Universidade Católica de Buenos Aires.
Mescal é uma bebida alcoólica destilada produzida a partir do sumo fermentado do agave, a mesma planta utilizada para produzir tequila. No entanto, o mescal diferencia-se por ser uma bebida mais rústica, sendo destilada apenas uma vez, enquanto a tequila pode ser até três vezes destilada. Apesar de ser uma tradição entregue aos homens, as mulheres estão a ganhar cada vez mais o seu espaço no sector.
Ao dar visibilidade ao trabalho destas mulheres, Francisca pretendeu passar uma mensagem de esperança, força e união. “Gosto muito de fazer arte com a imagem digital, mas sou muito activista ao mesmo tempo por causas sociais e encontrei no documentário a forma certa de conseguir conjugar estas duas coisas. Acho que este documentário é a prova completa disso”, explicou.
“Aprendi que nós temos muita sorte na vida, enquanto mulheres europeias. Estas mulheres fizeram-me sentir humilde em relação ao que se pode viver”, confessou.
Esta história também surge como um alerta para a preservação ambiental. Numa entrevista à Sony, Francisca menciona que as plantas de agave precisam de dez a 30 anos “para crescer até ao tamanho adequado, que é o ponto onde podem ser usados para fazer um bom mescal”. Como a sua popularidade “cresceu dez vezes ou mais nos Estados Unidos” nos últimos dois anos, os “protectores das tradições temem que as grandes empresas cheguem às suas terras e cultivem intensamente, sem respeitar a ecologia”.
Las Hijas del Maguey tem a duração de uma hora e quinze minutos e deverá ficar disponível online “em breve”. Segundo Francisca, a ideia é distribuí-lo através de uma plataforma dos Estados Unidos que seja acessível em todo o mundo.
Texto editado por Renata Monteiro