Os vinhos de Ljubomir Stanisic são mestiços, “com orgulho e sem preconceito”

O chef do 100 Maneiras lança esta sexta-feira a marca de vinhos Mestiço. Ljubomir não é um enólogo, é um blender: passámos um dia na quinta de Dirk Niepoort no Dão a vê-lo fazer vinhos.

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Ljubomir a fazer um dos seus blends SÉRGIO AZENHA
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Ljubomir percorre a adega da Quinta da Lomba, propriedade do seu amigo e produtor de vinho Dirk Niepoort, no Dão, e, com a ajuda de António Mendes, o responsável pela produção, vai retirando amostras dos tonéis e comentando. “Este parece mais Bairrada. Nariz, boca… todo ele é mais fechado.” Detém-se depois de provar um tinto e lança, satisfeito: “Este é superfunky, muito giro, superguloso. Dá aí mais um bocadinho.”

Dirk acompanha-o durante um bocado, assim como o produtor espanhol Raúl Pérez, nesse dia de visita à Quinta da Lomba. Vão cheirando, provando, trocando impressões. Raúl interroga-se sobre um aroma que lhe parece Touriga Nacional. “É provavelmente Alfrocheiro”, diz Dirk. Trata-se, em alguns casos, de vinhas velhas, com as castas misturadas.

“Eh pá”, exclama o chef do 100 Maneiras, em Lisboa, aqui na sua função de blender, “passas deste para aquele e parece que levaste um estalo na boca”. Destas provas vão sair alguns vinhos – brancos, tintos “e talvez mais alguma coisa” – que irão integrar o portefólio do Mestiço, a marca que Ljubomir Stanisic faz por todo o país com amigos como os Niepoort, Dirk e o filho deste, Daniel.

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Para Ljubomir, fazer lotes de vinho é uma paixão que foi crescendo e que passa muito por poder ter projectos em conjunto com amigos em vários pontos do país Sérgio Azenha

O vinho está já feito, claro, nos seus tonéis. O que Ljubo faz são os lotes, a partir do que encontra nas adegas. É, irá explicar-nos mais tarde, um pouco como “chegar a casa de alguém, abrir o frigorífico, estão todos cheios de fome, embora lá cozinhar”. Se bem que, admita, “fazer vinho é mais complicado do que cozinhar, exige mais de ti, é preciso estudo, dedicação, tempo”.

Talvez por isso repita muitas vezes o conselho que ouviu a Dirk quando começou a entusiasmar-se com esta história dos blends: “Disse-me assim, à Dirk ‘antes de começares a fazer vinho, vai estudar mais um pouco, isto aqui não é muito fácil’”. Nessa altura, já Ljubo tinha desafiado a enóloga Susana Esteban e fizera os primeiros blends, e, depois desses, outros com o também enólogo e produtor António Maçanita, que lhe tinha elogiado o “bom nariz”. Engarrafou e “foram um sucesso no 100 Maneiras”.

Apesar disso, não esqueceu as palavras de Dirk e quando fez, com a mulher, a jornalista Mónica Franco, uma viagem pela Europa, visitou as grandes casas produtoras de vinho, onde aproveitou para aprender tudo o que podia, do Château Lafitte, em Bordéus, às adegas de Pierre Frick e de Marcel Deiss, na Alsácia.

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Quando quis começar a fazer blends, Ljubomir seguiu o conselho de Dirk e foi estudar mais sobre vinho e visitar produtores na Europa, sobretudo em França Sérgio Azenha

Continua a passear-se por entre os tonéis da Quinta da Lomba, cheirando, passando o vinho pela boca, cuspindo. “Este é super, supertropical. Tem maracujá, papaia, goiaba, tens de cheirar isto, é supercurioso”. Mais à frente prova um que acha “muito sweety”, e logo outro que tem a acidez de que andava à procura.

É um cozinheiro e nunca deixará de ser, por isso está à procura do equilíbrio como faz numa receita. “É verdade, estou a fazer uma receita perfeita de cozinha, só que em vinho. Por exemplo, não sou muito fã de Touriga Nacional por si só, não quero que seja dominante, posso usá-la mas numa percentagem mais pequena. Tal como numa receita, se tiver demasiados fermentados num prato, fica enjoativo. Uso muito esse instinto natural que está dentro de mim.”

Um fraquinho pelo Dão

Seguimos. Ljubomir vai dando indicações sobre os vinhos que mais lhe agradaram e começa a fazer contas de cabeça sobre as percentagens que quer juntar. Mónica toma notas, que vai alterando conforme surge uma nova ideia. “Daqui temos cinco barricas e quero usá-las todas. Vamos colocar 20%, 20%, 20%, 20%, 20%”. Explica: “Estas têm uma madeira mais rústica, que marca mais o vinho, e eu quero equilibrar.”

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Ljubomir vai assinalando nos tonéis as percentagens que quer usar de cada um para os seus lotes Sérgio Azenha

Vai comentando a forma como a madeira marca, mais ou menos, cada vinho que prova, algo que aprendeu há muito tempo, numa outra vida, ainda na Jugoslávia, onde nasceu. “Nasci numa família de aguardentes e separávamos as aguardentes pelas madeiras. Por isso, quando estou a fazer o vinho é um pouco igual.”

Lembra-se muito bem de passar as férias a apanhar fruta para o raki na pequena aldeia dos tios, entre a Bósnia e a Sérvia. “Numa época apanhávamos pêssegos, noutra ameixas, noutra mirtilos, e fazíamos as aguardentes com as frutas que havia. Os meus tios punham, umas com açúcar, outras sem, numas barricas de plástico que ficavam cá fora a fermentar. Quando chegava ao ponto, diziam, agora vamos destilar, e depois guardava-se em barricas de madeira. Ainda me lembro do meu tio ao telefone a refilar sempre que encomendava madeira de cerejeira, queixava-se que era muito cara”, recorda, com uma gargalhada.

Há muito que Dirk já saiu da adega, deixando Ljubo a fazer os lotes. “Nos dois ou três primeiros anos em que criámos vinhos, o Dirk esteve sempre comigo na adega, acompanhou-me, deixou-me fazer, e desde há uns dez anos para cá que me deixa sozinho. Diz-me ‘faz os teus lotes e deixa-me é prová-los no final’. E fica todo contente.”

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Apesar de já fazer vinhos há muitos anos, é agora que o chef do 100 Maneiras está a lançá-los sobre uma mesma marca: Mestiço Sérgio Azenha

Com Daniel Niepoort tem arriscado em coisas mais sem rede. “Já fizemos vinhos desde o zero, numa garagem em Grândola, todo o processo sem qualquer correcção química, fizemos juntos um Pét Nat [Pétillant Naturel] e desde aí abriu-se muito mais o meu mundo do vinho”, conta.

Tem um fraquinho pelo Dão, confessa, mas o que gosta mesmo é de fazer vinhos diferentes em regiões diferentes e com muitos amigos. Daí que a frase que acompanha o lançamento da nova marca seja “Mestiço é mistura com amor”. Declara-se Mestiço “com orgulho e sem preconceito” e apresenta, para já, os vinhos que fez com Luís Louro e Inês Capão (Adega Monte Branco); Mateus Nicolau de Almeida e Teresa Ameztoi; Luís Pedro Cândido; e Dirk e Daniel Niepoort.

“Mestiço é mistura. De defeitos e feitios. De vícios e vicissitudes. De Norte, Sul, Este e Oeste. O blend não se faz só de uvas. Faz-se de histórias, de amigos. Que discutem e riem. Discordam e brindam. Juntos. No vinho como na vida”, anuncia o press release.

Projecto para vinhas próprias

A aventura de fazer vinho já tem muitos anos – quem tem acompanhado o Ljubomir blender conhece já o Bicho do Mato, o Mó ou o Encurralado – mas a marca Mestiço, agora lançada, vem consolidar este trabalho e esta paixão, com uma série de nomes novos, do Amoroso ao Bruto, do Bravo ao Raro, tudo características do chef que se tornou (ainda mais) famoso pela sua participação no concurso televisivo Hell’s Kitchen.

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Fazer vinho é, para Ljubomir, pretexto para um encontro de amigos Sérgio Azenha

“Isto tornou-se uma coisa natural, fácil para mim, apaixonante”, diz. “Adoro esta parte de fazer blends, e cada vez estamos a crescer mais, com mais volume. As uvas não são minhas, mas estamos já a fazer um projecto para isso, para termos as nossas vinhas, é algo que está a crescer naturalmente.”

Saímos da adega com um conjunto de amostras, deixando para trás vários tonéis com marcas a giz indicando a percentagem que irá ser retirada de cada um. É hora de fazer os blends, ver se o que se tinha imaginado funciona, ajustar. “Aqui fui buscar frescura”, explica. “Já tinha estrutura, sabor, madeira, tinha vida, tinha Dão, só precisava de um pouco de frescura.”

Faz um vinho “muito bebível, muito gluglu”, mas logo, noutro lote, preocupa-se com a longevidade. “Na garrafa tem de ficar o Dão, que ainda é uma região pouco valorizada. Lembro-me que o primeiro vinho que bebi de Portugal era sempre Dão.” O dia vai passando. No final, Ljubo está satisfeito com o resultado. “Gosto cada vez mais de vinhos com menos álcool e mais bebíveis”, exclama, já às voltas com um naco de carne maturada que trouxe para o jantar.

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Os vinhos Mestiço dr

Quando escurece e o frio começa a apertar, Ljubo já está a improvisar, colhendo ervas para fazer uma cama de aromáticas, acendendo o lume para a carne. “Se estivesse em casa, tenho uma manteiga de vaca, ia cobri-la, mas tens que cozinhar com o que há, por isso fui apanhar alecrim e assim posso dar mais sabor à carne, para ela não perder a gordura”, explica, gestos largos, ar feliz, por entre o fumo que se espalha no ar, levando o aroma da carne a assar.

Há batatas no forno, muita gente a ajudar na cozinha (Dirk também está a cozinhar) e conversas animadas. Abre-se um Porto de 1948. Fala-se de coisas sérias e outras nem tanto. Trocam-se confidências. Raúl Pérez, o rosto enquadrado pelas longas barbas e cabelos brancos, comove-se e diz a Dirk que é muito feliz aqui. O Mestiço só faz sentido se for assim – feito com os amigos, bebido com os amigos.

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