Morreu Steve Albini, lenda anti-indústria, “engenheiro” do indie rock

Nunca abandonou a sua ética punk. Como produtor, gravou Nirvana, PJ Harvey, Pixies e muitos outros nomes cruciais da música dos anos 1990. Nos Shellac e nos Big Black, deu-nos rock violento, urgente.

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Os Shellac no Primavera Sound do Porto, em 2017 Paulo Pimenta
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Morreu Steve Albini, ícone do indie rock enquanto produtor e engenheiro de som, dos Nirvana a PJ Harvey, e enquanto músico, nos Shellac, nos Big Black e nos Rapeman. Tinha 61 anos e não resistiu a um ataque cardíaco que o acometeu na terça-feira no seu estúdio, o Electrical Audio, em Chicago, nos Estados Unidos, relata a Pitchfork.

A morte de Albini acontece a uma semana do lançamento de To All Trains, o primeiro álbum dos Shellac numa década. A banda tinha concerto marcado para o Primavera Sound do Porto, a 8 de Junho, cumprindo a tradição, iniciada em 2006, de actuar naquele festival e no seu homólogo barcelonense. O Primavera Sound era praticamente o único festival onde actuavam, já que Albini era crítico do que dizia ser a deriva comercial destes eventos. Essa acidez marcava também o seu olhar sobre a grande indústria musical, que via como exploradora dos músicos.

No seu currículo enquanto produtor e engenheiro de som estão discos clássicos como In Utero (1993), onde os Nirvana gritaram contra o mainstream em que haviam sido metidos, Surfer Rosa (1988), dos Pixies, e Rid of Me (1993), de PJ Harvey. O seu bruto toque de Midas e a ética punk que nunca abandonou também fizeram brilhar discos de Slint, Godspeed You! Black Emperor, Breeders, Jesus Lizard, Low, Dirty Three, Jon Spencer Blues Explosion, Superchunk, e dos ex-Led Zeppelin Jimmy Page e Robert Plant, entre muitos outros.

Nos anos mais recentes, o seu vastíssimo e sempre expansivo currículo acolheu discos de gente tão diversa como Electrelane, Gogol Bordello, Nina Nastasia, Neurosis, Trash Talk, Mono, Ty Segall, Sunn O))), Black Midi e Code Orange.

“Conhecido pela sua filosofia de gravação naturalista e pelos seus métodos de trabalho meticulosamente analógicos”, como resume o site do seu Electrical Audio, ​Steve Albini não se via como produtor porque dizia que o seu trabalho consistia em captar os artistas na sua essência. "Ao produzir algo, é-se co-responsável pelo disco. Nos discos que eu faço, a banda é 100% responsável pelas decisões", explicava ao Ípsilon, em 2010, em entrevista a propósito de uma das vindas a Portugal dos Shellac.

No livro Our Band Could Be Your Life: Scenes from the American Indie Underground, 1981–1991, Michael Azerrad descreve o trabalho de Albini em Surfer Rosa, dos Pixies: "As gravações eram simultaneamente muito básicas e muito rigorosas: Albini utilizou poucos efeitos especiais; conseguiu um som de guitarra agressivo, muitas vezes violento; e certificou-se de que a secção rítmica batia como uma só."

Esta atitude perante o som e o seu ofício no estúdio de gravação articulava-se bem com a visão crítica da indústria que mantinha. Rejeitava receber royalties pelo trabalho em estúdio – auferia um valor fixo ao dia, que variava consoante a dimensão da banda. Produziu vários discos editados em multinacionais, mas gravou sempre, a baixo custo, um grande número de artistas underground, mantendo a ligação umbilical à cena que nos deu os delirantes Big Black e Rapeman.

“Há um elemento de autoconsciência” na vontade de operar à margem da indústria, reconhecia nessa conversa com o Ípsilon. “Se és um músico e estás a fazer um disco para outras pessoas, não podes evitar participar, de uma forma ou de outra, no negócio da música, mesmo a uma escala pequena. Deves apreciar a linguagem desse mundo, mas não precisas de aceitar as coisas num sentido convencional. Deves criar o teu próprio vocabulário dentro dessa linguagem.”

Um provocador underground

Steve Albini nasceu a 22 de Julho de 1962 na californiana Pasadena mas cresceu em Missoula, pequena cidade do Montana, “numa espécie de isolamento cultural”. Ali descobriu o punk rock dos Ramones (uma epifania) e teve a sua primeira banda, os desconhecidos Just Ducky. Só depois em Chicago, no Illinois,​ viria a completar a sua “aprendizagem como músico”. Em 1981 estava em Evanston, no mesmo estado norte-americano, a mergulhar de corpo inteiro na cena punk – fez fanzines (escrevia sobre música de forma iconoclasta, atitude que perdurou até morrer) e programas em rádios universitárias (das quais seria corrido por querer passar música especialmente ruidosa logo de manhã).

Rapidamente começou a dar nas vistas enquanto músico underground. Os Big Black, que tinham entre os seus "membros" uma caixa de ritmos (“Roland” era na verdade uma Roland TR-606, com a qual faziam aquele estranho e influente rock industrial), falavam de assassínios, abuso sexual, misoginia, contando histórias a partir das perspectivas dos algozes; Lungs (1982), o primeiro EP, trazia brindes como preservativos, dinheiro e pedaços de papel com sangue. E os Rapeman? Roubaram o nome a uma popular banda desenhada japonesa em que o protagonista passava o tempo a violar mulheres. Arrepender-se-ia de ter usado esse nome.

Nos Shellac, santíssima trindade de guitarra, baixo e bateria (e vozes, incluindo a de Albini) fundada em 1992, aprimorou a sua forma angulosa de tocar (ou atacar) as seis cordas, na linha do melhor rock pós-punk. Contava ele na mesma entrevista: "As minhas inspirações foram bandas como Wire, Gang of Four, Public Image Ltd, Chrome, Pere Ubu... Criaram uma forma de tocar guitarra que fazia sentido para si mesmas, única. Não queria emular estas pessoas – apesar de haver um pouco de emulação. O meu tocar guitarra é rudimentar. Não sou um guitarrista dotado, segundo uma perspectiva convencional, mas desenvolvi um vocabulário meu na guitarra, e isso satisfaz-me."

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