25 de Novembro: historiadores recusam “golpe do PCP” e criticam “ignorância” do PS

Irene Pimentel considera “absurdo” o Governo criar uma comissão para os 50 anos do 25 de Novembro e Pacheco Pereira acusa os dirigentes do PS de “ignorância” sobre a data.

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José Pacheco Pereira é historiador e já foi líder parlamentar do PSD Matilde Fieschi
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A data continua envolta em “muito mistério”, mas parece ser consensual que o 25 de Novembro de 1975 não foi um “golpe" por parte do PCP e que os comunistas não tiveram uma "movimentação significativa" nesse processo. Pelo menos, entre os três historiadores e analistas que nesta sexta-feira se sentaram numa mesa redonda para discutir o tema — Irene Flunser Pimentel, José Pacheco Pereira e Jaime Nogueira Pinto — e que alertaram para as “falsificações” históricas de quem a quer celebrar ou para a "ignorância" do PS por não chamar a si o 25 de Novembro.

A conversa, organizada pela comissão comemorativa dos 50 anos do 25 de Abril, aconteceu depois de, há uma semana, o antigo Presidente da República e figura-chave do 25 de Novembro, António Ramalho Eanes, ter afirmado, a propósito desse movimento, que "o PCP, talvez acossado pela extrema-esquerda, preparava-se efectivamente para estabelecer em Portugal um regime totalitário".

A partir da Reitoria da Universidade de Lisboa, Irene Flunser Pimentel, investigadora do Instituto de História Contemporânea, defendeu que o 25 de Novembro “não foi um golpe de Estado do PCP”, lembrando até que “uma parte da extrema-esquerda não se ergue contra o 25 de Novembro” em 1975.

E considerou que a operação militar “também não é", por isso, "um contragolpe ou uma contra-revolução para eliminar o PCP”, nomeadamente, por parte da "direita extremista". Mas admitiu que “um dos objectivos foi provavelmente acabar” com as “estruturas onde estariam os gonçalvistas” do Movimento das Forças Armadas.

Na mesma linha, José Pacheco Pereira alertou que se "dizem enormidades e falsidades sistemáticas" sobre o papel do PCP no 25 de Novembro, apontando que os comunistas pretendiam manter o "controlo sobre o Movimento das Forças Armadas e não pressioná-las para andar para a frente". Tal como a "União Soviética não via com bons olhos que Portugal se transformasse numa espécie de regime proto-cubano na Europa".

O historiador assinalou mesmo que Álvaro Cunhal, antigo líder do PCP, tem "uma atitude de grande prudência" e "desconfia do sucesso das tentativas mais à esquerda do 25 de Novembro" nessa altura. Além de que "não há prova de uma movimentação significativa das estruturas do PCP, mesmo das paramilitares, na participação no 25 de Novembro, a não ser a de estarem à espera de ver o que acontecia", sublinhou.

Também o analista político Jaime Nogueira Pinto considerou que os "líderes" do PCP tinham uma "visão" partilhada com a União Soviética de recusa da criação de uma "Cuba" na Europa, falando igualmente na "prudência da esquerda" para não "desencadear" uma contra-revolução por parte do "movimento conservador dentro das Forças Armadas". E argumentou que nem a "revolução" tinha "força para ir para a frente", nem a "reacção" para "voltar para trás e fazer uma contra-revolução".

Foi outro ponto em que estiveram genericamente de acordo: a ideia de que o 25 de Novembro foi "uma das etapas do 25 de Abril" e uma "contenção" tanto da direita como da esquerda "mais radical", que permitiu a "estabilização das instituições e do Estado de Direito" ou impedir que houvesse uma "guerra civil".

"O grande adquirido do 25 de Novembro é ter evitado uma radicalização que se passava no interior das Forças Armadas", referiu Pacheco Pereira, lembrando que houve "duas derrotas", a da "esquerda militar mais radicalizada " e a "dos que queriam ilegalizar o PCP".

Do "absurdo" do Governo à "ignorância" do PS

Quanto a celebrações da data — defendidas pelo Governo, pelo CDS, Chega e IL no Parlamento e pelo PSD na Câmara Municipal de Lisboa —, Irene Pimentel considerou que "têm a ver com o presente e não com o passado", classificando como “absurdo” o Governo querer criar uma comissão para os 50 anos do 25 de Novembro quando já existe uma comissão para o cinquentenário do 25 de Abril com mandato até 2026.

Já Pacheco Pereira deu mesmo a entender que a direita está a criar "narrativas político-históricas que são falsificações", como apresentar Jaime Neves "como o herói" do 25 de Novembro. O ex-líder parlamentar do PSD considera "muito bem que se comemore, mas como aconteceu" e defende que "isso eles não querem". "Eles vão lá falar do Costa Gomes, do Vasco Loureço e dos outros militares" ou do Mário "Soares e do papel do PS", criticou.

Foi também contra o PS que se insurgiu por permitir esse fenómeno, acusando o partido de se "diminuir a si próprio" e de "afrontar a memória de Mário Soares" ao não falar no "papel fundamental" que teve "no plano civil em 1975". Pacheco Pereira atribuiu essa omissão à "ignorância" dos actuais dirigentes políticos e alertou que está a levar a uma "versão retrospectiva da história".

Também para essa ideia de reconstrução da história apontou Irene Pimentel, que salientou que o 25 de Novembro ainda está envolto em "muito mistério" e defendeu que a operação militar de 1975 "não é, como se quer fazer crer, o verdadeiro fim do 25 de Abril".

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