The F Side, o colectivo que quer acabar com o silêncio do assédio no mundo da publicidade

A ideia inicial era dar palco às mulheres da indústria da publicidade. Mas a plataforma acabou por se tornar num espaço de partilha de casos de assédio.

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No último mês, o colectivo já recebeu mais de 20 denúncias Sergio Mendoza Hochmann/Getty Images
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“Comecei a trabalhar em 2005 como estagiária e não duvido que tenha conseguido o meu primeiro emprego em agência pelas minhas ‘mamas boas’, descrição escrita à frente do meu nome num dos cadernos do meu director criativo”: é assim que começa um dos muitos relatos partilhados na página The F Side, um colectivo “de mulheres para mulheres” da indústria criativa, que tem sido uma plataforma de partilha de relatos de assédio.

Nasceu há nove meses e começou com um objectivo diferente: “Dar palco às mulheres na nossa área”, começa por explicar Nádia Pinto, directora de arte numa agência de publicidade portuguesa e uma das fundadoras do projecto. O pontapé de saída foi dado quando as outras fundadoras, Maria Inês Leiria e Sara Soares, ambas directoras criativas na mesma empresa, voltaram a trabalhar em Portugal, depois de uma década lá fora, e perguntaram: “Onde é que andam as mulheres que trabalham em publicidade?”

Ainda que as vejam nos escritórios, são escassas nos lugares de maior visibilidade. “Não é só o estarem nos departamentos, mas é [o não terem] a oportunidade de serem promovidas, de estarem à frente dos briefings mais interessantes, de ganharem prémios”, lamenta Sara Soares. “Continua a ser um mercado de homens maioritariamente, onde há muito ‘o amigo do amigo’”, acrescenta Maria Inês Leiria. “Se nós precisarmos de contratar alguém rápido, consigo lembrar-me mais depressa de homens do que mulheres. E isso não devia ser assim.”

Foi precisamente para não ser assim que começaram a partilhar talento feminino na página de Instagram e no site do colectivo. Uma espécie de base de dados para contrariar a regra, para que não houvesse mais a desculpa de não contratar mulheres por elas estarem escondidas.

Mas havia algo ainda mais escondido nesta indústria: “Sempre houve casos de assédio nas agências. Tanto sexual como moral. É uma coisa que se fala, mas muito à boca fechada.” E as fundadoras do projecto acharam que era hora de acabar com esse silêncio, depois de terem conhecimento de (mais) uma denúncia interna numa agência, que levou a auditorias na empresa – e a novas denúncias que daí surgiram.

“Acabou. Está na hora de falar, sem vergonha nem medos, sobre assédio na nossa indústria”, escreveram no Instagram, a apelar à partilha de testemunhos anónimos. Começou assim uma onda que não pára de crescer: “De repente o nosso email ficou cheio de histórias, maioritariamente de mulheres, mas também de homens que querem fazer parte da conversa e que lamentam não terem feito nada quando viram casos de assédio”, contam. No último mês, receberam mais de 20 denúncias.

São assim algumas das histórias que têm partilhado: “O meu director criativo chegou por trás de mim, encostou-se às minhas costas e começou a dar-me beijos no pescoço”; “Sempre que aparecia uma mulher para ser entrevistada, os homens da agência assobiavam e aplaudiam”; “Fui com mais uma colega e por acaso encontramos o nosso director criativo, que ‘gentilmente’ nos ofereceu uma cerveja que, sem nós sabermos, estava minada.”

Mas não é só a partilha de histórias e o fim do silêncio que as três querem. O The F Side tem também pessoas disponíveis a prestar apoio psicológico e jurídico, gratuitamente ou a um preço simbólico, consoante o tipo de ajuda necessário.

“Isto não tem nada que ver com fazer uma caça às bruxas”, salvaguarda Sara Soares. Na plataforma, não são divulgados os nomes das pessoas acusadas de agressão, ainda que “toda a gente saiba” o nome deles. “É muito triste essa sensação de impunidade”, lamentam. Mesmo os homens, que agora lhes chegam às mensagens a contar que “nunca se sentiram com poder suficiente para falar” porque os visados tinham mais "20 ou 30 anos" e ocupavam posições de poder, querem saber como entrar no diálogo. A ideia do The F Side é precisamente essa: ajudar a começar uma conversa. “Nós não estamos contra homens, não estamos contra agências, isto é mesmo uma questão de abrir as portas e dizer que ninguém beneficia quando há assédio ou bullying no trabalho.”

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