O serviço militar não é uma casa de correcção

Se a ideia reflecte que as forças armadas passam a ser também um castigo a aplicar sob forma de pena, então estar-se-á a inverter toda a lógica ainda voluntarista da tropa. A tropa não é pena.

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Megafone P3: O serviço militar não é uma casa de correção Daniel Rocha
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O tema do serviço militar obrigatório já tinha voltado. A escassez de meios humanos nas forças armadas, provocada pelo seu fraco estatuto remuneratório, afasta os jovens de ingressar na profissão militar, não a tornando apetecível.

Numa altura em que a Europa vive um clima de conflito, a muitos estados membros da NATO é colada a questão da composição humana das forças armadas. O tema da obrigatoriedade do serviço militar há muito que circula nos corredores do poder. Se há os que discordam da obrigação dos jovens prestarem serviço de forma coerciva ao Estado, muitos há que defendem essa mesma obrigação.

Mas, sobre o tema, há um novo dado que veio acender ainda mais a discussão. Os jovens que cometam pequenos delitos devem ingressar no serviço militar como forma alternativa de pena. A ideia vem pela mão do ministro da Defesa e já se sabe que é também corroborada pela ministra da Administração Interna.

Porém, várias factos haverá para que a ideia de Nuno Melo não vingue. Desde já bastará perceber que as forças armadas não são uma casa de correcção e não foi criada nem preparada para o efeito. As forças armadas são uma força conjunta de elementos que querem ingressar numa carreira militar.

Se a ideia reflecte que as forças armadas passam a ser também um castigo a aplicar sob forma de pena, então estar-se-á a inverter toda a lógica ainda voluntarista da tropa.

Os pequenos delitos podem de alguma forma ser praticados por jovens com alguma incapacidade de sociabilização vindos em grande parte de famílias disfuncionais. Ora, não cabe às forças armadas acolhê-los nem essa é a sua função. O que será de um jovem problemático ir para o exército cumprir a sua pena e ser-lhe dada uma arma de fogo? Não se adivinha coisa boa.

Se, por um outro lado, esta possa ser uma nova fonte de recrutamento será de rápida percepção que os nossos parceiros da NATO não achem muita piada a esta forma de marchar. A reabilitação destes jovens não cabe aos militares. Aliás, estes profissionais não estão capacitados para essa função. Cabe aos especialistas de outras áreas trazer aos jovens delinquentes na prática de pequenos delitos uma visão diferente da sociedade. A pena que recai sobre ilícitos é o pagamento do indivíduo por uma incorrecta conduta. A tropa não é pena. A tropa é uma forma de fazer vida. É uma carreira.

Se há algum problema nas instituições que acolhem estes jovens, então é aí que o problema deve ser atacado. Passar a questão, que deve ser resolvida em esfera própria com profissionais capazes para dar dignidade ao jovem, para uma entidade que não está preparada nem tem que estar para os acolher é capaz de dar um péssimo resultado.

Cada jovem com este tipo de questões penais deve ser tratado individualmente. Cada um deles tem uma história de vida própria, pessoal e familiar não comuns aos seus pares. A instituição militar não é nem pode ser substituída por outras a quem o Estado confiou, em nome de todos nós, a responsabilidade de integrar os indivíduos.

Com esta ideia do Ministro da Defesa todos perdem. Perde a dignidade das forças armadas e perde o jovem que deve ter uma recuperação com profissionais próprios para efeito. Em suma: a ideia reflecte o não conhecimento das questões misturando alhos com bugalhos salvo seja em que é claro uma não aposta no sistema judicial destes pequenos delitos praticados por jovens. Arranja-se então uma solução “penal” fora da caixa para aliviar um sistema que de si é problemático, criando-se assim dois problemas: a) não repensar o sistema judicial para estes pequenos delitos; b) trazer às forças armadas um problema de segurança para os jovens que lá irão parar que verão a tropa com um castigo e para aqueles que já lá estão de forma voluntária a querem disso fazer carreira.

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