“As memórias da antiga pastelaria são muitas porque a minha família tem escritório aqui na Praça da Figueira, mesmo junto à esquina da pastelaria Suíça, há 100 anos”, conta António Moura, apontando o escritório onde trabalha há meio século numa das fotografias antigas emolduradas na parede da nova pastelaria. Lembra-se que, quando era miúdo, os presentes oferecidos pela empresa do pai aos clientes pelo Natal “eram todos comprados” ali, entre “caixas de bolachas, e de chocolates”.
É o segundo dia de abertura do novo espaço, agora noutro quarteirão, no número 5C da Praça da Figueira, em Lisboa, e é o segundo dia que cá vem. “Ontem comi um que não costumava comer na antiga pastelaria Suíça, que foi o babá, e hoje comi um palmier, porque é uma das formas de testar a qualidade do fabrico, porque é um bolo muito simples mas varia do excelente ao péssimo, e este gostei bastante.”
Sem pré-aviso, a nova pastelaria Suíça abriu portas na segunda-feira, 22 de Abril, num espaço bem mais pequeno do que o original, com 32 lugares sentados no interior e 46 na esplanada, numa aposta do grupo de restauração Primefood, proprietário da Fábrica da Nata, dos restaurantes La Parrilla, e de franchisings da Confeitaria Nacional e da pastelaria Versailles, entre outros.
“Andávamos à procura de uma marca de uma pastelaria de renome, porque gostaríamos de ter uma marca portuguesa no nosso portefólio que fosse forte o suficiente e conhecida de todos os portugueses e lisboetas que pudéssemos relançar, e como a pastelaria Suíça estava extinta, tentámos ficar com a marca, recuperá-la e dar-lhe uma nova vida”, conta Sandra Moia, uma das administradoras da empresa gerida em conjunto com o pai e os dois irmãos.
O nome é o mesmo, alguns dos bolos mais emblemáticos estão nas vitrinas, mas a nova casa, diz-se, não quer ser um revivalismo da anterior, inaugurada em 1922 no quarteirão histórico que separa duas das praças mais icónicas da cidade e que tinha esplanada virada a ambas (Figueira e D. Pedro IV).
A nova Suíça é antes uma “reinterpretação” da emblemática pastelaria, encerrada em 2018 após a venda do quarteirão a um fundo imobiliário (celebrizado por ter o tenista Rafael Nadal como investidor), e que deverá reabrir ainda este ano incluindo uma gigantesca loja Zara que ocupará todos os pisos do edifício, entre outras lojas e projectos para o quarteirão (das lojas antigas, apenas a Pérola do Rossio e seus cafés se deve manter).
Nova Suíça, com sabor a nostalgia
Na nova Suíça procura-se um equilíbrio entre as referências históricas àquela Baixa dos anos de 1950, 60, 70 do auge da velha Suíça (com fotografias “adquiridas no Arquivo Municipal de Lisboa”); e uma decoração que une elementos clássicos (o verde escuro e o dourado, as cadeiras de traça antiga e os sofás em pele) e uma linguagem moderna, como os azulejos Viúva Lamego, incluindo um colorido painel onde estão representados alguns dos principais monumentos de Lisboa, ao fundo da sala.
“Para nós também foi um projecto de estudo intensivo, porque tivemos de perceber, não só das nossas memórias como consumidores, mas também tecnicamente e historicamente, como é que íamos abrir um novo espaço, com uma nova ideia, mas preservando alguns valores que eram pilares autênticos da marca”, recorda Duarte Castelo-Branco, director de marketing do grupo. “Isso para nós foi o desafio e também a parte interessante deste projecto.” O passado não é esquecido – “o que estamos a fazer é homenageá-lo e, no limite, celebrá-lo”, aponta Duarte. Mas, “claro que a nova Suíça não é a antiga Suíça”, sublinha Sandra.
Se a velha pastelaria surge em destaque apenas numa fotografia de grandes dimensões à entrada, e no recuperar do logótipo das fardas (agora nas costas), os bolos clássicos têm o protagonismo das vitrinas, recriados pelo chef pasteleiro do projecto, que “teve oportunidade de consultar equipas da antiga casa e obter até receitas originais de lá”, nota Duarte.
A nostalgia da histórica pastelaria prova-se nos duchesses (não falta o clássico com nata vinda de Coimbra como antigamente; mas também com fios de ovos ou morangos no topo), os esquimós, as tíbias, os russos, os babás, os jesuítas, o bolo de chocolate Suíça, a floresta negra ou os semifrios. Até a torrada vem “no formato clássico quadrado em pão de forma”. E está prometido o regresso de outras referências para breve – assim como a instituição do chá das cinco. Os bombons de chocolate e os bolos secos também estão de regresso, com caixas de metal onde é possível levar um sortido de presente ou souvenir.
“A nossa grande preocupação foi manter aqui um equilíbrio superior a 50% de produtos clássicos da Suíça, não só no nome das referências mas até na forma como eram feitos, de pastelaria tradicional portuguesa também, como o pastel de nata, o palmier, ou a bola de Berlim, e uma franja mais pequena de produtos mais finos e internacionais”, aponta o responsável. Se os portugueses que encontramos esta manhã estão voltados aos clássicos, os turistas estrangeiros têm preferido opções “que conhecem mais”, como os éclairs, os ópera ou os croissants com recheio, “que estão um bocado na moda lá fora”, acrescenta Sandra.
Na ementa, há ainda salgados e refeições ligeiras, como quiches, focaccias e sanduíches, uma das poucas coisas confeccionadas na pequena cozinha (não, os bifes da Suíça não vão regressar, uma vez que o “espaço não o permite”) – tudo o resto é de fabrico próprio, mas produzido numa “cozinha central”, fora desta “zona premium” e das “rendas tão altas”, e que, apesar de ter nascido com a nova Suíça, irá alimentar outros projectos do grupo.
Lá fora, além da esplanada bem composta de turistas, há uma outra novidade: a estátua de um engraxador, numa “homenagem a uma profissão que era tão conhecida nesta zona”. “Num dos estudos aprofundados que fizemos da Suíça, vimos que na esplanada da loja nos anos 1950, 1960, havia qualquer coisa como 15, 20 engraxadores”, recorda Duarte. “As pessoas sabiam que ir à Suíça significava tomar o pequeno-almoço ou almoçar e engraxar os sapatos.” Numa Baixa lisboeta em que a profissão actualmente rareia, a homenagem surge na figura de um engraxador que o grupo apelidou de “senhor Vasco”, e que, com a cadeira vazia pronta a acolher um novo cliente-turista de carne e osso, não esconde a pretensão de ser “Instagramável”, refere Sandra Moia.
“Apesar de saber que a empresa não é a mesma, nem tem nenhuma ligação familiar aos antigos proprietários, sinto-me dentro da pastelaria Suíça”, defende António Moura, antes de regressar ao trabalho. “Acho que conseguiram fazer uma leitura do que era o espírito, o mobiliário e os produtos.” Para António, “isto é exactamente aquilo que se deveria estar a fazer” com os comércios históricos da cidade: "Ir buscar as memórias, actualizá-las, acrescentar gestão e, de uma forma mais moderna, dialogar com o público de hoje”.
“E agora está a abrir perto do local onde havia outra pastelaria Suíça, mas esta marca pode pegar naquilo que está aqui a fazer e abrir na Avenida de Roma, no Porto, …” Um futuro que Sandra não rejeita. “Se houver espaço, porque não? Talvez nos aeroportos, noutros sítios, já que temos uma fábrica. Mas, neste momento, estamos centrados na abertura e no desenvolvimento desta.”