Travão na plantação de vinha pode ser “radical” e “injusto” e vai “quebrar o rendimento dos viticultores”

Produtores, investidores e responsáveis pelas comissões vitivinícolas do país mostram-se reticentes com o possível corte nos apoios ao sector.

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Segundo o novo ministro da Agricultura, os apoios para a vinha nova já deveriam ter parado “há muito” Miguel Madeira
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Na primeira entrevista desde que tomou posse, José Manuel Fernandes, ministro da Agricultura, admitiu ao PÚBLICO um “travão” nos apoios à plantação de vinha nova para tentar resolver aquilo que considera o “problema brutal” do sector: o stock de vinhos.

Segundo o ministro, os apoios para a vinha nova já deveriam ter parado “há muito”, obrigando até a uma “vindima verde”, a apanha das uvas para o lixo antes de estarem maduras, e a enormes gastos com a destilação (até agora, 60 milhões de euros, um número que considerou "brutal"). “Algum português percebe que se esteja a dar recursos financeiros para plantar vinha e depois para arrancar vinha ou para o vinho ser destilado ou para coisas que vão contra a nossa alma e as nossas raízes?”, questionou o ex-eurodeputado.

Em reacção, produtores, agricultores, investidores do sector e responsáveis pelas comissões vitivinícolas das várias regiões do país mostram-se reticentes com as declarações do ministro e com o possível corte. Francisco Toscano Rico, presidente da Comissão Vitivinícola da Região de Lisboa (CVR Lisboa), acha que o travão ao apoio na plantação de vinha nova “pode ser excessivo”, sobretudo se for “generalizado”, considera.

No entanto, diz concordar com a medida, se for aplicada de uma forma “criteriosa”, continuando “a apoiar as situações que interessam”. Por exemplo, os “jovens [vitivinicultores]” ou regiões especiais vinícolas como a de Carcavelos ou a de Colares, com denominação de origem, que, “se não fizermos nada, correm o risco de desaparecer”, continua o presidente. “Há situações que vale a pena analisar antes de tomar uma decisão tão radical.”

Também no Algarve, Rui Virgínia, membro da direcção da Comissão Vitivinícola do Algarve, acha que a medida pode ser um “erro” e “injusta”. “É uma região que ainda tem pouca produção para a procura que tem e para os investimentos que estão a ser realizados”, opina.

O também produtor da Quinta do Barranco Longo, no concelho de Silves, reforça que o Algarve esteve “perdido durante quase duas décadas” no que diz respeito à produção de vinho e que agora vive um “renascimento”, com cerca de 50 produtores e novos investimentos no sector, incluindo novos equipamentos para o aumento da produção, além do enoturismo. “Não faz sentido nenhum. O Algarve devia ter um tratamento especial.”

Hugo Fonseca, director de produção do grupo Terras & Terroir, com investimentos em cinco regiões vitivinícolas, entre eles a Quinta da Pacheca, no Douro, salienta que a aposta do Governo deveria ser na “promoção dos vinhos portugueses” noutros mercados e não em “reduzir drasticamente o investimento no sector primário”.

“O foco deveria ser mais na promoção e não em retirarmos área de vinha. Nos últimos anos houve uma aposta nas replantações, na aquisição de equipamentos, em novos projectos em todo o país e não faz sentido mudarmos aqui a estratégia”, sublinha. “Para nós, não será positivo e para o sector em geral não me parece que seja o caminho.”

O director de produção de grupo que recentemente anunciou um novo investimento em Trás-os-Montes, com a aquisição da marca Valle de Passos, acredita que a medida pode representar uma “quebra no rendimento dos viticultores”.

À Lusa, o presidente da Confederação Nacional da Agricultura, Pedro Santos, também considerou “um bocado estranho falar já em travões ao apoio ao investimento e reestruturação”. “Se há algum problema de stocks ou excesso de produção, ele não se resolverá pela falta de investimento no sector. Até é um bocado contraproducente falar nisso.”

Que se corte na importação de vinho

Já Francisco Mateus, presidente da Comissão Vitivinícola Regional do Alentejo (CVRA), recordou que as vinhas são plantadas por iniciativa dos empresários e dos produtores, que "certamente farão as contas necessárias" para chegarem à conclusão se devem ou não plantar mais nos terrenos.

"Eu acho que nós não temos vinhas a mais, nós podemos é, em determinados momentos, estar com um excesso de produção ou com um excesso de stock que tem a ver com anos melhores em termos de produção, tem a ver também com a diminuição de vendas", afirmou à Lusa.

"O alerta do senhor ministro é para isso, temos que repensar as várias medidas que temos em cima da mesa, os efeitos que elas estão a ter para tentarmos ter um futuro mais equilibrado em termos de produção da vinha e depois em termos de comércio", considerou ainda Francisco Mateus, admitindo que a ter de haver cortes esses cortes sejam na importação de vinho. "Concordo com senhor ministro e com a identificação do problema, mas preferia que, a haver travagem, ela fosse feita às importações", afirmou o dirigente desta comissão vitivinícola, em declarações à agência Lusa.

"Para compreender o problema do stock, ajuda-nos que a análise também considere a evolução da produção e das importações, por um lado, e as exportações e as vendas no mercado nacional, por outro", assinala Mateus. Recorrendo a dados do Instituto da Vinha e do Vinho (IVV), o dirigente sublinha que, na média dos últimos cinco anos, face aos anteriores cinco, a área de vinha diminuiu cerca de 10 mil hectares e a produção aumentou 52 milhões de litros por ano.

"Produzimos uma maior quantidade por hectare, sendo visível o efeito do VITIS, que contribui para que as vinhas tenham maior competitividade e, é verdade, também maior produtividade, mas estamos a falar em mais 441 litros por hectare por ano", diz Francisco Mateus. Já as importações, segundo o responsável, "cresceram ao ritmo médio de 83 milhões de litros por ano, o que, somado ao aumento de 52 milhões de litros da produção, acrescenta 135 milhões de litros às disponibilidades".

"Nos últimos cinco anos, as vendas na exportação e no mercado nacional resultaram em mais 35 milhões de litros", aponta, por outro lado, Francisco Mateus, notando que os dados do mercado nacional consideram estatísticas da Nielsen, que "não cobrem a totalidade das vendas, pelo que o número efectivo será superior".

De acordo com o presidente da CVRA, a diferença entre o que se produz e o que se exporta e vende no mercado nacional, que ascende a 17 milhões de litros, "é facilmente absorvida pelas vendas que não estão cobertas pelas estatísticas e por outras utilizações, como por exemplo destilações e produção de vinagre". "O aumento substancial que as importações tiveram nos últimos anos trouxe para o sector, em média, mais 83 milhões de litros por ano, o que em cinco anos significa mais 400 milhões de litros de vinho", acrescenta, sublinhando que o problema não é o VITIS, que considera "uma ferramenta importante", nomeadamente para "fazer reconversão de castas", preparando as vinhas para a crise climática, e "para a introdução de sistemas avançados de produção sustentável".

A presidente da Comissão de Viticultura da Região dos Vinhos Verdes (CVRVV), Dora Simões, recusa que o tema seja analisado transversalmente. Numa reacção por escrito à Lusa, a responsável diz considerar que a "reconversão das vinhas alicerçada no programa VITIS [programa de apoio à reconversão da vinha]" de que os Vinhos Verdes, assim como "todas as outras regiões demarcadas em Portugal" beneficiaram, nos últimos anos, "resultou em maior competitividade de inúmeros produtores, proporcionando-lhes a capacidade de se posicionarem com as suas marcas nos mercados internacionais".

"Progrediu-se muito graças a este apoio e a questão da destilação de crise não deve ser analisada transversalmente, pois no caso da Região dos Vinhos Verdes, a maioria do vinho produzido é branco e este não apresenta excedentes de mercado", sublinha Dora Simões, para quem um "travão nos apoios à plantação de vinhas" levanta a questão de como tenciona o Ministério da Agricultura "redireccionar as verbas de apoio ao sector do vinho". "Uma vez", nota, "que há outras necessidades como a Investigação e Desenvolvimento para combater os efeitos das alterações climáticas ou as doenças da vinha, a gestão regional dos recursos hídricos, assim como a necessidade de investimento na promoção nos mercados externos e a própria alavancagem essencial no mercado interno".

Douro já restringe novas plantações

Associações do Douro, região com fortes restrições a novas plantações de vinha, defendem que os apoios financeiros devem ser aplicados na modernização da viticultura, como a mecanização, a rega ou na resiliência das castas às alterações climáticas.

António Filipe, da Associação das Empresas de Vinho do Porto (AEVP), admite que não faça sentido plantar mais vinha para produzi vinho que, depois, não é vendido. E lembra que algumas regiões, como o Douro, "fecharam-se relativamente a estes aumentos e não estão sequer a utilizar 1%". Recorde-se que o regime de autorizações de plantação prevê que, anualmente e de forma graciosa, sejam disponibilizadas autorizações para novas plantações, correspondentes a 1% da superfície total efectivamente plantada com vinhas à data de 31 de Julho do ano anterior.

"Outra coisa é o apoio financeiro à reestruturação de vinhas existentes e aí a nossa posição é clara. Nós precisamos de continuar a ter este apoio para reestruturar vinhas. Com o objectivo de actualizar métodos de produção, implementar processos de mecanização, de rega, de melhoria da resiliência das castas às alterações climáticas, tudo isto dentro da mesma área existente, não estamos a falar em aumentar a vinha, mas sim em reestruturar o existente."

Para Rui Paredes, da Federação Renovação do Douro, "o Douro foi a única região que, de alguma forma, acautelou esse aumento de área de vinha". E, apesar de a posição do ministro "fazer todo o sentido", considera o dirigente associativo ser "um contra-senso" estar-se a financiar o aumento da área de vinha, para depois se vir "pedir dinheiro para fazer uma destilação, porque há excessos ou porque não se vende".

"O Douro já tomou a iniciativa de ser um aumento só marginal ou seja, estamos a falar em 4,4 hectares, não tem grande significado comparativamente com o resto do país", apontou, sublinhando que o caminho passa pela modernização. "Cada vez mais temos que nos preparar para uma crise na questão dos recursos humanos", exemplificou.

Actualizada às 12h20 do dia 26/04/2024.

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