Mário Centeno evita Parlamento no 25 de Abril e opta pela discrição do país profundo

Alcoutim pode vir a ser o “Pulo do Lobo” do governador do Banco de Portugal, que assim evita estar na ribalta parlamentar das comemorações e sinaliza o distanciamento face ao executivo da AD.

Foto
Mário Centeno, governador do Banco de Portugal Daniel Rocha
Ouça este artigo
00:00
03:39

Exclusivo Gostaria de Ouvir? Assine já

A pequena vila raiana de Alcoutim foi o local escolhido pelo governador do Banco de Portugal, Mário Centeno, para celebrar os 50 anos do 25 de Abril, em vez da Assembleia da República, onde tem lugar cativo para assistir às comemorações oficiais. Não é a primeira a vez que o ex-presidente do Eurogrupo faz uma incursão ao país “profundo” para enviar um sinal político, para dentro e para fora do Partido Socialista.

Segundo a Lei do Protocolo de Estado, o governador do BdP teria direito a ocupar o 27.º lugar nas cerimónias oficiais, na Assembleia da República. A opção pela discrição do país profundo no 25 de Abril pode ter leituras políticas.

A demissão de António Costa da chefia do Governo atirou Centeno para o centro da política, com o seu nome a ser indicado por Costa para o substituir e levar a legislatura até ao fim, levou o PSD a declarar: “Perdeu a legitimidade e condições objectivas para ser governador do Banco de Portugal [BdP]”. Um segundo mandato à frente do BdP, agora que os sociais-democratas comandam os destinos do país, pode estar comprometido.

O antigo ministro das Finanças da Alemanha, Wolfgang Schauble, chamou-lhe o “Cristiano Ronaldo do Ecofin”, mas a verdade é que a política caseira recente fê-lo surgir, na imprensa estrangeira, como alguém que ambicionou dar um passo maior do que a perna, sem que tivesse acautelado o apoio do Presidente da República.

O ex-dirigente do PCP, Carlos Brito, residente em Alcoutim, não atribui “significado político especial” à visita, a não ser o facto da relação afectiva que Centeno tem com este concelho do interior - o seu bisavô, José Centeno de Passos, foi o primeiro presidente do município a seguir à implantação da República, mas pouco se sabe da sua influência nesse período da história. “Creio que está fazer uma viagem pelo sul, calhou muito bem vir a Alcoutim”, disse Carlos Brito. Porém, quando colocado perante um cenário de uma hipotética candidatura à Presidência da República, responde: “Algum significado político tem, mas a questão ainda não está posta. Há muita gente, com certeza que se pode considerar, de diferentes áreas”. O que importa no imediato, enfatiza, é a sua visita: “Muito importante para todos nós, democratas portugueses.”

Já o presidente da câmara, Osvaldo Gonçalves, diz-se “honrado” com o facto de Centeno aceitar o convide para discursar nas cerimónias dos 50 anos de Abril: “Mário Centeno é um activo de Portugal, no mundo das Finanças, e o PS tem o privilégio de o ter próximo”.

Mário Centeno nasceu em Olhão, passou a infância em Vila Real de Santo António, mas é na zona serrana, do concelho de Alcoutim, que terá encontrado o seu “Pulo do Lobo” (local mediatizado por Cavaco Silva, quando se quis demarcar das críticas, vindas do então presidente Mário Soares). O lugar, junto ao Guadiana, em Mértola, fica a pouco mais de 60 quilómetros da vila escolhida pelo governador do BdP para festejar os 50 anos de Abril.

“Mário Centeno tem grandes afinidades com esta terra”, diz o autarca local, lembrando que, há cerca de cinco anos, o então ministro das Finanças, tinha estado em Giões, terra-natal do seu avô, a participar nas festas da aldeia.

Nesse Verão, em 2019, Centeno estava no auge da popularidade. Dentro e fora do país, foi referenciado como o ministro que virou a página da austeridade, depois dos estrangulamentos impostos pela troika, apadrinhados pelo Governo de Passos Coelho. No dia em que acenderam as luzes da igreja para o ministro, disputava-se o final da Supertaça Benfica-Sporting, no Estádio Algarve. Costa foi ao jogo, Centeno, benfiquista confesso, não foi “à bola” com Costa - prenúncio de uma relação tensa entre ambos, culminando com o pedido de demissão do ministro das Finanças, em Junho de 2020.

Sugerir correcção
Ler 4 comentários