The Tortured Poets Department: Taylor Swift e a tortura do som

Primeira impressão de um disco que não merece segunda, o 11.º álbum de Taylor Swift: The Tortured Poets Department.

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The Tortured Poets Department é o 11º álbum de estúdio de Taylor Swift Beth Garrabrant
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Um império ergue-se, reina e acaba por se desgovernar, ruindo para dar vez a outro: assim foi a história da geopolítica e também do entretenimento. Até chegar Taylor Swift. Campeã da pop mundial desde 2014, contestada mas invicta, a cantautora é um credo para meio mundo e um mistério para outro. “Porquê Swift?”: há sempre alguém a perguntá-lo, tal como haverá sempre alguém a desconhecer o maior êxito da semana (cortesia de comer o pão que o algoritmo amassou).

Militar e determinada, Swift cavalgou pela música country com uma guitarra ao ombro e páginas rasgadas de um diário; tinha 17 anos ao lançar o disco de estreia, em 2006, e exigir respeito pela escrita adolescente com caneta de gel. Nos anos seguintes, tendo largado as tranças e investindo em produções mais agressivas e cosmopolitas, manteve o modelo de negócio: proximidade simulada e identificação geracional, unindo as vozes num canto acompanhado de cada etapa rumo à maturidade, das paixões aos pudores, enfrentando ódios e petulâncias. Assinou dois álbuns imperfeitos, mas electrizantes – Speak Now (2010) e Red (2012) – antes da sua obra-prima, o metalizado e mordaz 1989 (2014).

Depois de fabricar controvérsias e forçar politizações para as quais não tinha linguagem, a pandemia deu-lhe o dom do sossego, e as suas canções migraram da autobiografia para a ficção (sempre a única possibilidade de um multimilionário escrever algo interessante). Folklore e Evermore (2020) foram verdadeiras rajadas de inspiração e verve – além de medalhões de “autenticidade”, com a embalagem delicada de Aaron Dessner, dos The National. Piano, guitarra e finos teclados furaram também por Midnights (2022), disco que ajudou a desconfinar a indústria fonográfica, sem pompa nem nada de espectacularmente bom: um dos mais chochos recordistas nos últimos tempos. Mas só agora ficamos a conhecer a extensão completa dos estragos, com The Tortured Poets Department: um evento fascinante à volta de um abcesso musical.

Esta é a oferenda menos provável de alguém que vive um pico ao nível da Beatlemania, numa pausa da maior digressão de todos os tempos (“o último bastião da monocultura”, escreveu a revista Vogue). A escolha de redobrar o cinzentismo sonoro e o derrotismo dos poemas, censurando qualquer impulso tecnicolor ou soalheiro, não se pode dizer arrojada – dado Swift ter aniquilado toda e qualquer competição comercial –, mas é certamente desconcertante.

No primeiro punhado de canções, confessa-se alcóolica, admite não ser Patti Smith, recorda ataques de choro no ginásio, e fantasia sobre matar maridos com Florence & the Machine. Matéria acutilante, mesmo para uma autopsicóloga tão infame quanto Swift. O problema é que a verte em métricas atabalhoadas (But daddy I love him), interpretações estranhamente sedadas (Down bad) ou mesmo trapalhonas (como na inaudível Who’s afraid of little old me). Coisa inconveniente, quando a conduta sonora é tão insossa.

O recato e a economia de Midnights faziam sentido nesse que era um álbum-charneira, unindo o apelo pop à pretensão sóbria de Folklore e Evermore. Mas este momento não pedia consolidação nem meios-termos: se a táctica aqui não é matemática à prova de bala, porque não assumir o risco e lançar-se para fora de pé? Pergunta inútil, perante o já longo déjà vu da edição normal, tanto mais perante a versão completa de 31 faixas.

São duas horas de verborreia e reciclagem melódica: ao longo de Tortured Poets, fica a sensação de que Swift vendeu canções antigas para peças, comprando-as ela própria para se salvar da falência criativa. August, uma das canções que fica para a história pop de 2020, assombra Down bad de uma forma embaraçosa: têm ambas dedo de Jack Antonoff, também o principal parceiro de Lana Del Rey no seu último, espantoso disco; o mesmo produtor que vota Tortured Poets a combinações baças de vozes sintetizadas e caixas de ritmos.

Algumas das faixas mais quadradas, por oposição às divagações arrítmicas, trazem um frescor diferente. Apesar de fotocopiar Mastermind do último álbum, a canção-título recorda os temas mais simplistas de Prince nos anos 80. O refrão de My boy only breaks his favorite toys é inegável, mas beneficiaria de mais melodrama, de uma conversão em power ballad absoluta, à Berlin ou Roxette.

Volta e meia, Swift revela uma estranha reticência em fazer o que a trouxe ao olimpo: ser melodramática, corrosiva ou só cristalina (basta lembrar Wildest dreams) a plenos pulmões, mesmo não sendo uma cantora atlética; levar-se ao paroxismo emocional ou ao limite cómico. Pelo contrário, muitos versos prometem um humor que já lhe foi natural, e que agora surge nado-morto.

Se a grande debulhadora da pop ainda não se cansou de Taylor Swift, contra todas as leis da sobreexposição, é improvável que seja agora. É pena, porque seria a melhor coisa que lhe poderia acontecer: um choque para a poeta voltar a duvidar do seu próprio punho.

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