A história parecia repetir-se. A 15 de Abril de 2019, um incêndio alastrou na cobertura de Notre Dame de Paris. Há poucos dias, a 15 de Abril de 2024, as chamas consumiam grande parte do interior da antiga Bolsa de Valores de Copenhaga. Com quatro anos de intervalo, duas agulhas famosas cederam ao fogo. Notre Dame já recuperou a sua agulha, finalmente reconstruída, dominando na linha do horizonte de Paris. Poucos dias depois, Copenhaga perdia uma das suas mais famosas agulhas, num edifício tão importante para contar a história da cidade e dos mercados financeiros internacionais.
Reconstruir a agulha de Notre Dame não se conseguiu sem o empenho de técnicos de várias áreas, para que a catedral volte a brilhar como o sol que entra pelos vitrais. Certamente teria sido impossível sem a mobilização da sociedade civil, ou sem a acumulação de donativos, que mostrou que Notre Dame de Paris está longe de ser esquecida.
O mesmo poderá acontecer no antigo edifício da Bolsa de Valores de Copenhaga, ou Børsen, com as quatro caudas de dragões entrelaçadas na famosa agulha. Exactamente quatro anos depois do incêndio de Notre Dame, os andaimes das obras começaram a ceder à fúria das chamas, até ao desmoronar da agulha. A reacção, na Dinamarca e no resto do mundo, foi de choque, mas imediatamente se levantaram vozes que apelavam à reconstrução de um edifício único no mundo.
Tendo a Dinamarca uma forte tradição de mobilização da sociedade civil, não faltarão donativos e a reconstrução irá reflectir o valor emocional da antiga Bolsa de Valores. Nesta edição do Dia Internacional dos Monumentos e Sítios, celebrada a 18 de Abril, a UNESCO definiu como tema "Catástrofes e Conflitos à luz da Carta de Veneza". É, pois, uma oportunidade para lembrar os bens culturais, tal como a Bolsa de Valores de Copenhaga, que enfrentam o flagelo das catástrofes. Em particular, aqueles que perecem com conflitos, como na Palestina e Ucrânia sob ataque.
A lista de bens culturais em perda ou sob ameaça não teria fim, tão vulneráveis ficam nos conflitos armados. A catedral de Odessa é só o mais visível exemplo de destruição da guerra, bem como os edifícios históricos de Gaza, cuja reconstrução irá depender da estabilização política daquele território.
Em situações de tensão entre países, os bens culturais são inclusivamente um alvo de retórica, como mostram as palavras do ex-presidente americano, Donald Trump, quando ameaçou um ataque ao Irão — em desacordo com a Convenção de Haia sobre património em espaço de guerra.
Quando as guerras e as catástrofes causam perda, as acções de salvaguarda voltam-se a bens e valores patrimoniais que sobrevivem. Nos casos mais visíveis, como em Paris, em Copenhaga, em Odessa ou Gaza, reclama-se a integridade de monumentos que foram danificados, permanecendo vivos na memória.
Perda irreversível serão os bens patrimoniais que, além de serem tocados por catástrofes e conflitos, são também vítimas de desmemória colectiva — talvez o maior perigo que paira sobre o património cultural. Vem por isso este Dia Internacional dos Monumentos e Sítios reavivar a memória do património que podemos cuidar e destinar às próximas gerações.