Governo de Meloni quer permitir que associações pró-vida entrem em clínicas de aborto

Para a oposição italiana, este é “mais um golpe na liberdade das mulheres em matéria de reprodução”. Itália é um dos países com taxas de acesso ao aborto mais baixas.

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Giorgia Meloni garantiu não reverter a lei que regula o direito ao aborto ANGELO CARCONI
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O Governo liderado por Giorgia Meloni, do partido de extrema-direita Irmãos de Itália, aprovou a entrada de associações pró-vida em clínicas de aborto. A iniciativa, altamente criticada pela oposição, faz parte de um pacote de medidas destinadas à saúde, aprovado esta terça-feira, 16 de Abril, na Câmara dos Deputados.

As regiões italianas vão poder recorrer aos fundos do Plano de Recuperação e Resiliência (PRR), disponibilizados pela União Europeia, para integrar "sujeitos do terceiro sector que tenham experiência qualificada no apoio à maternidade", de acordo com o jornal online italiano Quotidiano Sanità. A verba destinada à recuperação pós-pandemia vai ainda ser utilizada para subsidiar estes grupos, que, em certos locais, já se infiltravam em clínicas de aconselhamento para pressionar as mulheres que lá se dirigiam para uma interrupção voluntária da gravidez (IVG), segundo o El País. A nova medida terá ainda de ser aprovada pelo Senado, mas deve passar com facilidade.

Em resposta à iniciativa, a associação Pro Vita e Famiglia, a maior deste tipo no país, garante que não tem "qualquer intenção de entrar nos centros de aconselhamento". "A nossa esfera de acção é a sensibilização do público e a influência política com campanhas nacionais", refere à agência de notícias italiana ANSA Jacopo Coghe, porta-voz do grupo. Coghe reitera, no entanto, "a urgência de devolver os centros de aconselhamento ao papel para o qual foram concebidos pela Lei 194 [legalização da IVG], ou seja, locais onde as mulheres podem ser ajudadas a encontrar alternativas concretas ao aborto"

A associação Pro Vita e Famiglia é responsável por levar ao Parlamento italiano o projecto de lei "Um coração que bate", cujo objectivo é obrigar as mulheres que queiram abortar a ouvir o batimento cardíaco e a ver imagens do feto antes de o fazerem.

Ainda antes das eleições legislativas, a IVG já tinha gerado controvérsia em Itália, um dos países onde as taxas de acesso ao aborto são mais baixas, com os partidos de centro e esquerda a acusarem a agora primeira-ministra de querer reverter a lei. Meloni, que ao tomar posse criou o Ministério da Família, Natalidade e Igualdade de Oportunidades, encabeçado por Eugenia Rocella, assumidamente pró-vida, negou. "Queremos dar às mulheres que pensam que o aborto é a única opção o direito de fazerem uma escolha diferente. Não quero abolir a [lei] 194, não quero alterá-la, mas quero aplicá-la na sua totalidade, incluindo a parte que diz respeito à prevenção. O que significa acrescentar direitos e não retirá-los", afirmou na campanha de 2022, de acordo com o jornal italiano Repubblica.

A Lei 194, aprovada em 1978, permite a interrupção voluntária da gravidez gratuita nos primeiros 90 dias, por razões de saúde, económicas, familiares ou sociais, mas prevê o direito à objecção de consciência. Segundo dados do Ministério da Saúde de 2021, avançados pelo The Guardian, 63% dos ginecologistas recusaram-se a fazer o procedimento.

Em Marche, região italiana governada pelos Irmãos de Itália, a dificuldade em aceder à pílula abortiva já obriga mulheres a deslocarem-se a outras zonas para interromper a gravidez.

A oposição não poupou críticas à decisão do Governo. Elly Schlein, líder do Partido Democrático (PD), de centro-esquerda, classificou a medida como um​"ataque pesado contra a liberdade das mulheres", cita o jornal britânico. Silvia Roggiani, deputada do mesmo partido, acusa a direita de continuar a "mostrar o seu carácter nostálgico e a sua visão obscurantista e patriarcal, tentando, de todas as formas, corroer os direitos das mulheres. É vergonhoso".

Francesco Boccia, porta-voz do PD no Senado, responsabiliza a primeira-ministra por "mais um golpe na liberdade das mulheres em matéria de reprodução e aborto". "A alteração apresentada prevê que as regiões possam envolver associações antiaborto nas clínicas. Em vez de garantir às mulheres serviços, emprego e estabilidade económica, o Governo opta por atacar a liberdade de escolha e enfraquecer, ao introduzir figuras sem competências específicas pertencentes a associações, locais fundamentais para a saúde das mulheres", censura o senador do principal partido da oposição, citado pelo jornal espanhol.

Também o Movimento 5 Estrelas acusa a líder do partido de extrema-direita de dar "mais um passo atrás".

António Tajani, vice-primeiro-ministro italiano e antigo presidente do Parlamento Europeu, garante que o Governo não quer reverter a lei que concede o direito à interrupção voluntária da gravidez, mas defende: "Não devemos criminalizar quem é contra o aborto."

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