Funcionamento da maior universidade argentina em risco por causa de cortes

A Universidade de Buenos Aires, onde estudam mais de 300 mil pessoas, está em emergência orçamental e pode não ter capacidade para continuar a pagar as contas.

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Javier Milei tem feito cortes em todos os sectores do Estado EPA/CRISTOBAL HERRERA-ULASHKEVICH
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A Universidade de Buenos Aires (UBA), a maior e mais prestigiada instituição de ensino superior na Argentina, está em emergência orçamental e corre o risco de poder deixar de funcionar nos próximos meses. A direcção aponta o dedo ao Governo de Javier Milei, que se recusou a rever o orçamento disponível para a universidade.

Fundada em 1821, a UBA é a maior universidade pública do país, contando com mais de 300 mil alunos, e ocupa um lugar de destaque no imaginário colectivo dos argentinos – dali saíram cinco prémios Nobel e 16 presidentes. Nos rankings, aparece regularmente no topo das instituições de ensino superior da América Latina e alguns dos seus cursos estão entre os 50 mais reconhecidos no mundo, como Direito, Sociologia ou Engenharia Petrolífera, segundo o Ranking QS Global.

Nada disso impede que esta universidade histórica enfrente um dos períodos mais críticos desde a sua fundação. Com a Argentina a sofrer com uma inflação acumulada de 325% desde Janeiro do ano passado, o orçamento da UBA manteve-se inalterado face ao ano lectivo anterior, o que corresponde a “um corte em termos reais de 80%” do financiamento da universidade, disse a instituição na semana passada.

“Em breve não vamos poder pagar as facturas da electricidade que, desde Abril do ano passado até agora, aumentaram 577%”, disse o vice-reitor da UBA, Emiliano Yacobitti, citado pelo El País. Se a situação se mantiver, avisa o mesmo responsável, os elevadores das faculdades terão de deixar de funcionar e as bibliotecas só poderão funcionar durante o dia.

A expectativa é que até Maio ou Junho a universidade possa funcionar “com muitas poupanças”, admitiu o reitor, Ricardo Gelpi, numa entrevista à rádio Mitre. “São momentos muito graves e dramáticos”, acrescentou.

O Conselho Superior da UBA, que decretou a emergência orçamental na semana passada, disse que, “nas condições actuais, se encontra gravemente afectada a possibilidade de manter toda a actividade necessária para garantir a qualidade educativa, a continuidade da investigação e a extensão e função assistencial”.

Há já algum tempo que a UBA alertava para os efeitos da ausência de revisão do seu orçamento anual e tinha em curso uma campanha pública para mobilizar a sociedade argentina para pressionar o Governo.

O porta-voz presidencial, Manuel Adorni, disse que o Governo aprovou um reajuste de cerca de 70% do orçamento da UBA, afirmando que “não é por uma factura da luz que se vão fechar as universidades”.

Yacobitti esclareceu que as necessidades reais da universidade rondam os 90 mil milhões de pesos, tendo em conta a inflação, e chamou a atenção para a desvalorização de 35% dos salários reais de todos os trabalhadores da UBA no último ano. “A realidade por detrás dos números desmente a declaração oficial”, afirmou o vice-reitor. “É hora de se reconhecer a gravidade da situação e de se tomar medidas concretas para garantir a qualidade e o futuro da educação e da saúde no nosso país.”

Para além do impacto no funcionamento das faculdades, o subfinanciamento da UBA também ameaça os seis centros hospitalares universitários sob a sua alçada, que só no ano passado receberam 500 mil utentes.

“Se não houver uma resposta rápida, no segundo semestre os hospitais não vão poder continuar a funcionar”, avisou Yacobitti. Para dia 23 de Abril está marcada uma grande manifestação das universidades públicas como protesto pelo subfinanciamento do ensino superior.

Milei tem cortado e congelado a generalidade das despesas públicas em praticamente todas áreas, levando a milhares de despedimentos no sector estatal e ao encerramento de várias instituições, como a Télam, a maior agência noticiosa da América Latina. No centro dos seus argumentos está a grave crise inflacionária e o défice público excessivo que têm delapidado a economia argentina nos últimos anos.

Mas, no que respeita às universidades públicas, Milei tem também criticado o que diz ser a doutrinação ideológica por parte dos seus professores. No final de Março, o Presidente argentino criticou a alegada ausência de discussão sobre os economistas da Escola Austríaca, a fonte ideológica do anarcocapitalismo que defende, nas universidades do país, particularmente na UBA.

No início de Abril, o Governo apresentou uma proposta de alteração da Lei da Educação Nacional com o objectivo de “combater a doutrinação” nas escolas do país e a abertura de uma linha de “denúncias” de casos em que isso aconteça.

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