O designer italiano Roberto Cavalli, cuja obra ficou marcada por ter levado a natureza, nomeadamente com motivos animais, para a passerelle, morreu nesta sexta-feira na sua casa, em Florença, Itália. Tinha 83 anos e estava doente há algum tempo, avança a agência de notícias ANSA, que adianta que o estado de saúde do designer agravou-se nos últimos dias. O óbito foi confirmado por familiares de Cavalli e alguns dos seus amigos mais próximos à agência italiana, tendo a casa que fundou em nome próprio lhe dedicado uma homenagem, pouco depois, nas redes sociais.
“Uma vida vivida com amor. É com grande tristeza que hoje nos despedimos do nosso fundador Roberto Cavalli. De origens humildes, em Florença, Roberto conseguiu tornar-se um nome mundialmente reconhecido, amado e respeitado por todos. Naturalmente talentoso e criativo, Roberto acreditava que todos poderiam descobrir e alimentar o artista dentro de si. O legado de Roberto Cavalli viverá através da sua criatividade, do seu amor pela natureza e da sua família, que adorava”, lê-se num texto publicado na rede social da marca.
Entre o seu legado está o prêt-à-porter, onde não faltavam motivos animais, que fascinaram celebridades como Christina Aguilera, Jennifer Lopez, Lady Gaga ou Naomi Campbell. O estampado animalier foi uma espécie de assinatura, pela qual começou a ser conhecido ainda na década de 1970, quando dava os primeiros passos no mundo da moda. Na época, era a chita que o inspirava, mas essa admiração pelo mundo animal estendeu-se a estampados a lembrar a pele das zebras, leopardos, linces… até borboletas. No entanto, foi a cobra que se tornou a sua imagem de marca, integrando o logótipo da marca epónima.
“Copio a roupagem de um animal porque adoro copiar Deus. Acho que Deus é o designer mais fantástico”, dizia, numa citação recordada nesta sexta-feira na página de Instagram da marca, ideia que transmitira numa conferência na Universidade de Oxford, em 2013, lembra a CNN norte-americana.
Roberto Cavalli nasceu em Florença, Itália, em 1940, no seio de uma família abastada e ligada às artes: o seu avô materno era o pintor Giuseppe Rossi (1876-1952). Mas terá sido a morte do pai que o marcou: Giorgio Cavalli foi assassinado pelas forças nazis. “Aconteceu algo entre os guerrilheiros e os alemães e o meu pai foi envolvido”, contou Cavalli ao Evening Standard. “Por isso, a minha mãe tomou conta de mim e da minha irmã. Isso tornou a minha personalidade mais profunda, mais forte.”
Em 1957, Cavalli iniciou os estudos na Academia de Arte de Florença com o objectivo de seguir o mesmo caminho que o avô materno. Mas, relataria em entrevistas posteriores, a profissão de artista não convencia os pais da então namorada (e sua primeira mulher). Enquanto estudante, Cavalli criou uma série de desenhos florais que então foram muito elogiados pelos criadores italianos de camisas. O que levou um amigo a pedir-lhe para pintar à mão algumas camisolas de malha.
O sucesso desta estreia no mundo têxtil foi tal que Cavalli se dedicou a investigar a arte da impressão têxtil, perícia que decidiu tentar aplicar às peles e ao couro depois de ter trabalhado com o designer napolitano Mario Valentino, criando um método revolucionário e que apresentou, aos 30 anos, no Salão Prêt-à-Porter, em Paris. Em 1972, abriu a sua primeira boutique em Saint-Tropez, França, onde eram suas clientes as actrizes Brigitte Bardot e Sophia Loren. Foi o início de uma carreira feita de glamour e de excessos.
O seu trabalho era muito diferente do de Giorgio Armani, conhecido pela elegância e sobriedade, e que completa 90 anos no próximo mês de Julho, mas o criador prestou uma homenagem a Cavalli, logo após a notícia da sua morte ter sido divulgada, dizendo que “a sua verve toscana fará muita falta”. E escreveu, numa story na conta oficial da marca, no Instagram: “Não consigo imaginar uma visão da moda mais distante da minha do que a de Roberto Cavalli, mas sempre tive um enorme respeito por ele: Roberto era um verdadeiro artista, selvagem e maravilhoso no seu uso de estampados, capaz de transformar a fantasia em roupas sedutoras.”
Noutra coisa que o trabalho de Armani e Cavalli é incomparável é na internacionalização: enquanto o primeiro, tal como Versace, se expandiu para o mundo, Cavalli permaneceu em Florença e recusou-se a ir a algumas apresentações sazonais, à medida que a moda ditava o minimalismo, o oposto da sua visão.
Houve uma altura que se questionou se seria o fim do criador. Mas a sua segunda mulher, Eva Düringer, Miss Áustria 1977, dá o impulso necessário para que a casa renasça na década de 1990. “Estava a pensar em parar. Mas depois a Eva interessou-se e eu comecei — por ela — a envolver-me novamente”, confessou durante uma entrevista.
Foi depois, em 1994, que apresentou as suas primeiras calças de ganga desbotadas, uma técnica com areia, tendo Naomi Campbell feito um furor enorme quando desfilou com um par. Segundo o The New York Times, com esta descoberta, Cavalli tornou-se um nome incontornável entre celebridades como Cindy Crawford, Lenny Kravitz ou Gwyneth Paltrow.
Depois, houve um momento em que Cavalli entrou para o culto da moda, com um vestido que marcou uma espécie de declaração de amor na icónica série O Sexo e a Cidade. Carrie (Sarah Jessica Parker) vê-se obrigada a ver-se livre de algumas roupas para que o namorado possa arrumar as suas coisas e, quando o espaço parece não chegar ao “intruso”, ela responde: “Cala-te! É um Roberto Cavalli! Deitei-o fora e adoro-o. Que mais queres?”
O segredo do seu sucesso era simples, segundo testemunhou à People: “A minha moda tornou-se um sucesso porque os outros designers tornaram-se muito chatos.” A sua assinatura e logótipo espalharam-se por perfumes, acessórios, incluindo óculos de sol, jóias, mas também por peças decorativas, roupas de crianças e de casa, chegando mesmo a uma garrafa de vodka envolta em pele de cobra, vendida nos EUA. Cavalli foi dois primeiros designers a fazer parcerias com marcas de roupa, foi em 2007 com a H&M. "A moda que não é louca não é moda", declarou na conferência em Oxford, em 2013, lembra o The New York Times.
Cavalli retirou-se da vida pública e dos negócios da moda em 2015, ano em que vendeu a marca. Um ano antes, juntou-se com a modelo sueca Sandra Bergemann Nilsson, de quem teve um filho o ano passado: Giorgio é o último de uma prole de seis; há ainda Cristina e Tommaso, da primeira mulher, Silvanella Giannoni (com quem foi casado entre 1964 e 1974); e Rachele, Daniele e Robert, do segundo matrimónio com a Miss Áustria 1977, Eva Düringer, com quem casou em 1980.
Com uma vida dedicada também a Florença, a sua morte foi assinalada pelo presidente da Câmara, Dario Nardella, que fez questão de sublinhar que Cavalli “deixou a sua marca na linguagem moderna da moda”. “Roberto não era apenas um inovador e um artista dos têxteis, mas também um símbolo de criatividade e habilidade, capaz de misturar corajosamente as cores da nossa terra com as tendências internacionais”, reforçou o presidente da Região da Toscânia, Eugenio Giani.
Em 2015, a escolha para substituir Cavalli à frente da empresa recaiu sobre Peter Dundas, que esteve apenas 19 meses. Seguiu-se Paul Surridge, que permaneceu até 2019. No mesmo ano, após um período de dificuldades financeiras que levou a marca à falência, a empresa foi adquirida pela empresa de investimentos Vision Investments, sediada no Dubai e dirigida por Hussain Sajwani, estando a direcção criativa entregue a Fausto Puglisi.
Na sua conta de Instagram, onde se faz fotografar com Madonna vestida pela marca, Fausto Puglisi restou a sua homenagem a Roberto Cavalli : "Querido Roberto, podes já não estar fisicamente entre nós, mas sei que sentirei o teu espírito sempre comigo. É a maior honra da minha carreira trabalhar sob o teu legado e criar para a marca que fundaste com tanta visão e estilo", escreveu. "Descansa em paz, sentiremos a tua falta e serás amado por tantos que o teu nome continuará a ser um farol de inspiração para os outros, e especialmente para mim."