González: preservar “o espaço político do centro é essencial para enfrentar o futuro”
Eleitores “não sentiram nem no PS nem no PSD tracção suficiente” e isso explica o resultado do Chega, defende Costa. Actuais e ex-dirigentes de Portugal e Espanha debateram as transições democráticas.
António Costa defende que “não devemos sobrevalorizar a importâncias das últimas eleições”, que “ocorreram em circunstâncias particularmente estranhas”. E acredita que os resultados de 10 de Março – data das últimas eleições legislativas em Portugal – não põem em causa o que aponta como “uma das forças da vitalidade da democracia em Portugal”, o “facto de termos conseguido manter no centro partidário dois grandes partidos que garantiram sempre uma alternativa”. O agora ex-primeiro-ministro falava em Lisboa, no Foro La Toja, um conjunto de debates em que se olhou o futuro a partir do que foram “Cinco décadas de Democracia em Portugal e Espanha”.
Para Costa, o que explica os 50 deputados eleitos pelo “partido populista de direita” Chega foi sobretudo o facto de “que os portugueses não sentiram nem no PS nem no PSD tracção suficiente para a concentração necessária do voto” que lhes garantisse “votações acima dos 30%, que foi o que lhes permitiu governar quando venceram eleições”. Algo que só aconteceu, entende, pela forma como a anterior legislatura foi interrompida, na sequência do processo judicial que levou à sua demissão.
O futuro foi uma constante nas intervenções dos participantes nos diferentes painéis do Foro La Toja. Porque se os últimos 50 anos se fizeram de um passado que só o advento das democracias permitiu que fosse partilhado pelos dois países da Península Ibéria, só a defesa dessas mesmas democracias permitirá o progresso comum.
“Populismos serão derrotados”
“A única solução é a moderação política”, afirmou o ex-primeiro-ministro conservador Mariano Rajoy, num painel em que se juntou aos ex-primeiros-ministros Francisco Pinto Balsemão, Felipe González e ao agora também ex-chefe de Governo português (que agradeceu a “aula prática de aprender a ser ex-primeiro-ministro).
Como Costa, Rajoy acredita que os “populismos serão derrotados” – apoiando-se no exemplo do Podemos, o movimento de esquerda que liderou as sondagens em 2015, chegando a ter 71 deputados, e que nas últimas legislativas, há menos de um ano, não foi além dos cinco eleitos, o antigo dirigente do Partido Popular disse que “em Espanha surgem partidos que duram um quarto de hora e logo vêm outros que vão durar outro quarto de hora”.
O debate, lançado pela moderadora, a jornalista do PÚBLICO Teresa de Sousa, começara com o socialista González a apontar Portugal como “um exemplo por ser capaz de preservar o espaço político que será fundamental para enfrentar o futuro, que é o do centro”. Só assim, defendeu, “se acabará com a crispação e a polarização que está a ameaçar a convivência democrática em muitos países”.
Sublinhando que também em Espanha tem sido essencial o consenso entre os dois grandes partidos, o seu Partido Popular e o PSOE de González – assim se fez a Constituição, a entrada na União Europeia, a adesão ao euro e o regime das autonomias, enumerou –, Rajoy sustentou que esse mesmo consenso é essencial para derrotar o populismo que contamina as democracias liberais.
Mas foi um pouco mais longe, meses depois de o actual líder do PP espanhol, Alberto Núñez Feijóo, ter aberto a porta à possibilidade de uma governação com a direita radical do Vox, e defendeu que tão essencial como esse consenso é a decisão de “não negociar com os partidos extremistas”.
Sublinhando que um dos maiores desafios das democracias actuais “tem que ver com as desigualdades e a percepção que as pessoas têm da desigualdade”, Costa recuperou o tema da habitação, que tinha dominado a mesa-redonda anterior, onde se olhou para “As Cidades na Liderança da Transformação Social”. Apesar dos progressos constantes, também o crescimento das desigualdades tem persistido, mesmo nas democracias mais avançados, notou, e a “habitação é uma questão central” neste desafio – e um problema “que vai durar”.
Na sua análise, isso acontece porque “há um conjunto de factores de que não tivemos consciência antecipadamente”: as taxas de juro baixas ou negativas que levaram a que “o capital tenha encontrado refúgio no imobiliário”; mas também a “alteração das dinâmicas familiares”, com mais pessoas a viver sozinhas, por exemplo.
Depois, veio a liberdade de circulação de pessoas, que levou “vários países a apostarem nos [alojamentos] Airbnb e nos ‘vistos gold’”. E agora, com os excessos que se conhecem, “assistimos a um recuo e a uma maior regulação”. Para o ex-primeiro-ministro português, “esse sentido de falta de futuro é um dos maiores problemas das democracias”, um problema que “abre espaço e alimenta os populismos".