Câmara de Coimbra atira bienal para antigo pediátrico, resta saber as condições

Anozero está ancorada no Mosteiro de Santa Clara-a-Nova, que deve ser transformado em hotel. Direcção não sabe qual é o estado do velho hospital que a autarquia diz estar em “ruína”.

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O antigo Hospital Pediátrico de Coimbra (na foto, em 2007) esteve em funcionamento até 2011, quando fechou portas Marco Maurício
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Era uma das nuvens que pairavam sobre a quinta edição da bienal de arte contemporânea de Coimbra – Anozero inaugurada no último sábado: qual o seu futuro, uma vez que o mais importante dos oito espaços onde se fixou, o Mosteiro de Santa Clara-a-Nova, será transformado num hotel de cinco estrelas? Uma questão tanto mais urgente quanto o director da Anozero, Carlos Antunes, já avisou que o tempo para preparar a exposição individual que intervala os anos da bienal é cada vez mais curto e que nestas circunstâncias a de 2025 está em risco.

O presidente da Câmara Municipal de Coimbra (CMC), José Manuel Silva, procurou entretanto dar um contributo para a resolução do problema e anunciou, no dia da inauguração desta edição, que autarquia tem já a garantia de que a bienal poderá no futuro “invadir” as “ruínas do velho Hospital Pediátrico de Coimbra”.

Na sequência de um pedido de esclarecimento do PÚBLICO, a câmara respondeu por e-mail, em declarações atribuídas ao autarca, que “tem o conhecimento informal da disponibilidade" da imobiliária do Estado, a Estamo, “para a realização do solo show de 2025 da Anozero”.

O município tem vindo a conversar directamente com a Estamo, que detém o conjunto de edifícios devolutos desde 2011, e que, por sua vez, impôs como condição a concordância formal da Unidade de Saúde Local de Coimbra.

Para já, Carlos Antunes não consegue ainda dizer se o antigo pediátrico pode ser uma solução. Não sabe em que condições está o espaço, terá de o avaliar. Mas “uma ruína não resolve o problema do solo show” nem o da Anozero, comenta ao PÚBLICO. “A bienal ultrapassou o seu período quixotesco.” Para continuar, precisa de estabilidade, condições e um espaço permanente.

“Voltar atrás dez anos”?

Quando a Anozero chegou a Santa Clara-a-Nova, em 2017, o edifício aproximava-se da ruína. Foi a actividade da bienal que, através de intervenções pontuais, mas continuadas, foi recuperando o mosteiro que já integrava então a lista do programa Revive, que visa concessionar monumentos públicos para utilização turística. Com o avanço do concurso já lançado, a bienal poderá perder a maior parte do complexo monástico da margem esquerda do Rio Mondego.

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O Mosteiro de Santa Clara-a-Nova, que já foi um quartel, recebe a bienal desde 2017. Sérgio Azenha

“Ir para um espaço mais precário do que este [o mosteiro] é uma péssima solução”, considera Carlos Antunes. Regressar a um edifício onde está tudo por fazer significaria “voltar atrás dez anos.”

O antigo pediátrico remonta ao século XVII, tal como o Mosteiro de Santa Clara-a-Nova. Originalmente, foi construído para servir de dormitório ao Mosteiro de Celas, que ainda lhe serve de vizinho. Foi transformado em asilo, depois em sanatório e, por fim, já em 1977, em hospital pediátrico. Nessas funções, manteve-se de portas abertas até 2011, quando foi inaugurado o novo equipamento que o substituiu.

A autarquia quer o imóvel de 18,4 mil metros quadrados e avaliado em 3,1 milhões de euros para ali instalar um Centro Transdisciplinar de Apoio à Criação Artística. No início do mês, o executivo camarário aprovou o pedido ao Estado para transferência do conjunto. Mas como este se adivinha “um procedimento longo”, José Manuel Silva não antevê qualquer “eventual problema de (in)compatibilidade”. Nem actualmente, escreve, “nem no futuro próximo”.

No programa eleitoral da coligação de oito partidos que elegeu o autarca, sugere-se o aproveitamento do antigo pediátrico para projectos ligados ao bem-estar na terceira idade, mas tal não tem sido referido nas discussões recentes sobre o equipamento em “localização central e privilegiada”. Era uma ideia já antiga. Agora, sobre outras ocupações, a CMC diz ser “demasiado precoce abordar esta matéria”.

Inaugurada que está a quinta edição da Anozero, a autarquia vai “agendar brevemente uma visita conjunta com a direcção da bienal” ao eventual futuro espaço. Carlos Antunes sempre defendeu a continuidade em Santa Clara-a-Nova, mas está aberto a analisar a proposta. Já disse preferir que a Anozero deixe de existir do que vê-la a definhar lentamente. E sublinha-o: “A bienal marcou um período na arte contemporânea em Portugal e pode acabar. Mas que acabe em grande.”

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