Incerteza sobre mosteiro compromete próxima exposição da bienal de Coimbra
Monumento está a concurso para ser concessionado e transformado em hotel. Direcção da Anozero diz que perda de Santa Clara-a-Nova pode significar fim da bienal.
"Por esta altura, nas outras edições, já tínhamos os curadores da edição seguinte contactados e os artistas do solo show convidados. Este ano, não convidei ninguém e isso é um problema: o risco de termos de cancelar o próximo solo show é muito, muito grande." O ponto da situação em tom de alerta é feito pelo director da bienal Anozero, Carlos Antunes.
Apesar de a programação se estender por oito espaços de Coimbra, o Mosteiro de Santa Clara-a-Nova é o principal complexo da exposição colectiva. O monumento nacional do século XVII que já foi casa de clarissas e de militares está na lista do Revive desde que o programa de concessão de edifícios públicos para fins turísticos arrancou em 2016. Mas só em 2023 o concurso avançou.
O processo ainda não terminou, mas a incerteza já está a afectar a preparação da próxima exposição individual, que costuma decorrer nos anos em que não há bienal. Não Sofra Mais, do artista islandês Ragnar Kjartansson, em 2023, foi o último evento do género. Antes dele, em 2020, José Pedro Croft levou Campo / Contracampo ao refeitório do mosteiro. Ambos participaram numa onda que se tem formado contra a transformação daquele espaço num hotel de cinco estrelas, seja em forma de petição ou artigos de opinião.
Carlos Antunes conta que já tem a artista escolhida para 2025 e que até já sondou o galerista. “Mas pedi-lhe para não falar com a pessoa. Não ouso convidar alguém para lhe dizer que não sei se lhe vou dar um espaço. Era o caminho mais rápido para ouvir um ‘não’”, explica.
A janela para avançar com o convite é curta, avisa. É uma questão de semanas. Depois disso, o solo show terá mesmo de ser cancelado. “Não sabermos, nesta altura do ano, se a exposição pode ou não ser aqui fragiliza muito a respeitabilidade internacional da bienal”, lamenta.
Espaço alternativo?
A poucos dias da abertura da quinta edição da Anozero, o Diário de Coimbra avançou que um empresário madeirense – o mesmo que ganhou o concurso do mosteiro de Lorvão – teria vencido o concurso para a concessão de Santa Clara-a-Nova. Mas a informação não é oficial. No site do Revive, que é gerido pela Turismo de Portugal, a informação publicada sugere que o concurso ainda está a decorrer.
Ainda assim, Carlos Antunes está preocupado com o que leu no jornal local, que considera “vago” e que trata a Anozero como “um quadro na parede”. “Uma bienal é um lugar de desassossego, de inquietação, não é uma coisa para decorar corredores de hotel”, comenta.
No caderno de encargos, estava prevista a bonificação das candidaturas que reservassem um espaço de 600 metros quadrados para a bienal. Mas não era um requisito obrigatório. No ano passado, Carlos Antunes dizia que a Anozero não era compatível com um hotel de cinco estrelas e avisava que ficar sem Santa Clara-a-Nova podia significar o fim da bienal, posição que mantém.
O Turismo de Portugal não respondeu às perguntas do PÚBLICO, mas a Câmara Municipal de Coimbra (CMC), que tem acompanhado o processo, diz não ter qualquer “informação oficial ou oficiosa sobre se há algum vencedor do concurso”. Refere apenas que o primeiro classificado desistiu e que “iriam ser estabelecidos contactos com o segundo candidato”. A CMC acrescenta que também não tem qualquer informação sobre um eventual prazo para que uma decisão seja tomada.
Ao contrário do que consideram os responsáveis pela bienal, a autarquia já tinha defendido (e continua a entender) que é possível que esta continue com a escala e relevância que tem tido, mesmo que tenha acesso a apenas uma fracção do mosteiro. E fala em espaços “alternativos”.
Carlos Antunes não quer sequer falar noutro espaço. “Não me manifesto. Se o fizer, estou a abrir portas”, diz. Sublinha, no entanto, que o edifício é do Estado e que há sempre a possibilidade de não o poder utilizar.
Considera que a bienal ficará “sempre fragilizada” se perder o convento, mas, trabalhando numa cidade com “edifícios monumentais extraordinários”, deixa uma janela aberta: “O mosteiro é o lugar da bienal. Mas se nos encontrarem um outro lugar onde a bienal possa estar dignificada e reforçada – do ponto de vista da estabilidade, da permanência, do orçamento – acho que podemos conversar”.
A autarquia diz já ter reservado um “espaço alternativo/complementar para 2025, de semelhante dignidade e dimensão, caso se revele necessário”. Não esclarece que espaço é esse, acrescentando apenas que será revelado “oportunamente”.