Caso Gustavo do Tinder: um slow burn é isto?

Seria por covardia? Era indecisão? “Se calhar não é como nas fotos”, teorizavam os meus amigos. Ou simplesmente não queria, o que dói, mas não deixa de ser a hipótese favorita entre os apostadores.

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Quando é que os homens descobriram o que é slow burn? Querer levar as coisas com calma faz parte de todo um conjunto maldosamente chamado “coisas de gaja”. Mas parece que, actualmente, são eles que preferem dar tempo ao tempo, em nome do “romance” e de nos “conhecermos melhor”. Aí suspeitamos: será que só não querem assumir o que procuram? Ou, no meio de tantas aplicações de namoro, somos nós as apressadas?

Vou contar-vos sobre o Gustavo. No papel, era tudo perfeito, por isso seguimos o rumo natural das coisas e migrámos do Tinder para o Instagram — o primeiro marco do relacionamento moderno. Naquela época, éramos os dois universitários, com tempo de sobra para partilhar tudo sobre as nossas vidas, porque as cadeiras importavam menos do que encontrar o verdadeiro amor. Só que, de repente, estava licenciada e ainda não o tinha visto.

É claro que o Gustavo não era o único: as barreiras da Internet e a omissão de rótulos reduziram o compromisso a mensagens. Mentiria se dissesse que trocar mensagens com ele era o suficiente. Por outro lado, vi episódios suficientes de Catfish e queria tirar a história a limpo. Introduzi o assunto como quem não quer a coisa — e ficou claro desde logo que eu tenho mais atitude do que ele, que, alegadamente, tinha sempre coisas combinadas nos meus dias de folga. Nesta dança, o tempo passou: quando o Gustavo se declarou, as toalhas de praia já tinham dado lugar à árvore de Natal, mas vermo-nos continuava a ser precipitado.

Seria por covardia, como acusavam alguns amigos? Era indecisão? “Se calhar não é como nas fotos”, teorizavam. Ou simplesmente não queria, o que dói, mas não deixa de ser a hipótese favorita entre os apostadores.

E porque o Tinder também serve para fazer amigos, um ano depois ainda falávamos. Já o Gustavo tinha entrado e saído de um relacionamento, e eu tentava esquecer tudo o que me tinha acontecido desde então. Como em toda a amizade, queríamos falar sobre isto — com a diferença de que flirtávamos casualmente entre mensagens e chamávamos “encontroao que (finalmente) marcámos. Quando o vi pela primeira vez, foi algo tão normal que pareceu parvo ter esperado tanto tempo. Porque foi. Por motivos que nós mesmos, confidentes um do outro, bem conhecíamos, ninguém teve muita coragem. A “atitude” ficou para o segundo encontro… oito meses depois.

Quem nunca procrastinou que atire a primeira pedra. Não há nada de mal em conhecer alguém, aos poucos, nas calmas. Não importa o que Hollywood diz (os filmes têm cortes!). Afinal, estávamos os dois a sair de “uma cena complicada”. Quando sentia necessidade de defender aquele investimento a longo prazo, ouvia os meus próprios argumentos e franzia o sobrolho: entendemo-nos tão bem, eu gosto dele, vale a pena esperar! Mesmo que me parecesse estranho tantas conversas e nada. E que fosse suspeito ele responder a tudo que publicava apenas para desaparecer na hora H. Já ia perdendo a graça. Ao fim de um ano, já estava ansiosa por saber o desfecho desta história.

O momento chegou, novamente, e de forma “natural”: um de nós (adivinha quem) definiu tudo e fez acontecer. Para mim, já era só mais um compromisso na agenda. Há quem diga que o tempo é romântico — e talvez seja —, mas a ansiedade esmorece qualquer sentimento. Estávamos os dois cansados dos nossos trabalhos. O Gustavo parecia nervoso, ou tremia pelo frio do nosso segundo Inverno. Eu estava impaciente, daquela forma que se transforma em raiva. Não dele, que só continuava a ser o mesmo. Tinha raiva de mim, que tinha deixado que as coisas chegassem a este ponto por ser o mais confortável para ele, sabendo o quanto essa demora era desconcertante para mim.

Ouvi as suas piadas durante mais algum tempo; continuei a esperar — desta vez por mim, queria ter calma e não acabar algo que era apenas dois encontros mais dois anos de amizade. Até ao ponto em que se tornou difícil demais esconder o que eu queria. Ele também abriu o jogo, como se já não estivesse claro: “Apenas queria que tivéssemos um slow burn.” Detestei as comédias românticas, os argumentistas, as plataformas de streaming e as de fanfic responsáveis por esta ideia que desafiava a minha paciência.

É verdade que podemos apontar o dedo ao Tinder, com todos os defeitos que tem — sendo o mais comum a mania de rapidez que as pessoas que lá encontramos têm. No entanto, não consigo compreender completamente quem vai para lá à procura de uma história de amor em sete capítulos. Da mesma forma, não acho compreensível que haja quem, como eu, deixe aquilo se arrastar sabendo muito bem que, naquele momento, quer outras coisas mais imediatas. O Gustavo podia ter sido honesto de caras, mas o calendário foi honesto por ele.

Passado tanto tempo, pelos vistos eu ainda posso esperar mais. Ainda falamos. Ou então faz tudo parte do seu masterplan, que ainda deve estar a começar.


As histórias desta crónica partem das experiências reais da autora, cujo verdadeiro nome fica reservado para as apps.

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