Retrato de abusos sexuais na sociedade será feito a partir de estudo já existente do INE
Comissão nacional de protecção das crianças confirma que o estudo nacional para melhor dirigir as políticas públicas para a prevenção dos abusos vai ser feito com base em dados já recolhidos pelo INE.
O retrato dos abusos sexuais sobre crianças no país, em todos os sectores da sociedade e não apenas na Igreja, que a ex-ministra do Trabalho, Solidariedade e Segurança Social, Ana Mendes Godinho, incumbiu a Comissão Nacional de Promoção dos Direitos e Protecção das Crianças e Jovens (CNPDPCJ) de coordenar, no início de 2023, poderá ser conhecido até ao fim de 2024, diz, com cautela, a presidente da CNPDPCJ, Rosário Farmhouse, repetindo o que já deixara entender há quase dois meses.
O que não ficara claro nessa altura, a não ser por respostas do Instituto Nacional de Estatística (INE), era que esse estudo transversal a toda a sociedade terá por base uma investigação já existente do INE, integrada num trabalho envolvendo vários países no âmbito do Eurostat (serviço de estatísticas da União Europeia), divulgado em Outubro de 2023 e apresentado no lançamento do Mês para a Prevenção dos Maus Tratos na Infância, ontem, em Lisboa.
Não será, deste modo, um estudo feito de raiz, como recomendado pela Comissão Independente para o Estudo dos Abusos Sexuais de Crianças na Igreja Católica Portuguesa, na apresentação do relatório final em Fevereiro do ano passado, e por especialistas da área da infância depois disso.
Será, como havia dito o INE, uma investigação que aprofunda a interpretação dada aos elementos sobre abusos sexuais que constem na base de dados utilizada para a elaboração do Inquérito sobre Segurança no Espaço Público e Privado, que corresponde a um levantamento de qualquer tipo de violência sobre a população adulta e sobre as crianças, incluindo violência sexual.
“O INE desenvolveu este estudo geral que tem uma componente dos abusos sexuais, e que tem ainda mais dados a serem explorados. O que combinámos com o INE foi fazer esse aprofundamento dos dados relacionados com o abuso sexual, por serem estatisticamente muito relevantes. A amostra utilizada foi de dimensão nacional e, portanto, representa o país todo”, disse Rosário Farmhouse, presidente da CNPDCJ, ao PÚBLICO.
O Inquérito sobre Segurança no Espaço Público e Privado assenta numa amostra de 21.030 casas em todo o território nacional, sendo entrevistada uma pessoa em cada um desses alojamentos e realizadas 11.346 entrevistas. Com a extrapolação para o total da população portuguesa, o INE concluiu que mais de 176 mil pessoas (2,3% da população) até aos 15 anos foram vítimas de abusos sexuais na infância, por parte de qualquer pessoa. O inquérito é retrospectivo.
"Informação científica"
Na apresentação dos dados do inquérito geral, Susana Neves, técnica especialista do INE, garantiu que o que existe “aqui é informação fiável, científica e que vai apoiar a definição de políticas públicas”.
“O que o INE vai fazer são cruzamentos diferentes [das respostas dadas pelos inquiridos] para nos dar os dados que precisamos”, justifica Rosário Farmhouse para não se avançar para um estudo feito de raiz, também pela dificuldade inerente à temática.
“Não podendo inquirir crianças, porque tal exigiria o consentimento dos pais para responder, e sendo um estudo que protege o anonimato, colocar as crianças numa situação de vitimização sem poder protegê-las seria absolutamente impensável. Por isso, todos os estudos a realizar são de inquiridos de mais de 18 anos e são retrospectivos, e foi o que o INE fez", continua.
“O estudo está muito completo. Não nos vai dizer se quem abusou foi um professor ou um padre, porque não tem informação sobre a profissão. Também não é isso que precisamos” para a partir daí desenvolver as políticas de prevenção. “Mas vai dizer-nos se a criança foi abusada por um adulto de referência.”