Pais e mães, nestas férias não abandonem os vossos filhos!

Entre os nativos digitais existe um grupo que nos deve preocupar muito mais — os órfãos ou abandonados digitais — crianças e jovens que crescem sozinhos, praticamente sem supervisão parental

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Quase diariamente se fala de nativos digitais, o termo banalizou-se referindo-se às crianças e jovens que nasceram numa era em que o digital, a vida online, principalmente nas redes sociais, tem uma importância cada vez maior na nossa sociedade. Mesmo nós, adultos, deixámos de viajar, de assistir a concertos, de ter jantares com amigos, para apenas os registar ou fazer diretos online. Parece que para algo se tornar real tem de ser partilhado numa qualquer rede social, visto e comentado por todos.

Muitos destes chamados nativos digitais passam muitas horas “agarrados” aos dispositivos digitais acreditando encontrar o conforto, a companhia, a compreensão, a aceitação que por vezes lhes custa mais a obter no seio familiar, na escola ou até na relação com os pares.

Há uns tempos, nós, adultos, tínhamos o enorme receio de ver as nossas crianças e jovens serem agredidos, raptados, roubados enquanto brincavam ou passeavam na rua ou no caminho de casa para a escola ou vice-versa… Atualmente, deve preocupar-nos questões como “o que estará o meu filho a fazer online?”, “Com quem joga e interage online?”, “Que tipo de assuntos e com quem fala nas redes sociais?” ou “Será que se alguém lhe pedisse, ele se encontraria presencialmente com essa pessoas que apenas conhece online?”, isto só para dar alguns exemplos.

Em muitas situações não temos a real noção ou simplesmente queremos pensar que são riscos ou até perigos que só acontecem aos filhos dos outros. Muitas das nossas crianças e jovens “perdem-se” em casa, agarrados aos telemóveis e consolas, no quarto ao lado do nosso. Enquanto pensamos estar tudo bem, que estão tranquilos e seguros, tê-los fisicamente perto dá-nos uma falsa segurança.

A verdade é que entre os nativos digitais existe um grupo de quem falamos muito pouco e que nos deve preocupar muito mais — os órfãos ou abandonados digitais —, crianças e jovens que crescem sozinhos, praticamente sem supervisão parental, existindo poucas ou mesmo nenhumas regras de utilização e permanentemente ligados a tudo o que são dispositivos digitais, redes sociais, à Internet em geral, uma geração “always on”.

Uma questão que nem sempre é realçada com a devida importância, e que é tão ou mais importante que o demasiado tempo que os mais novos passam online, são os conteúdos a que acedem e partilham, expondo-os a contextos e situações, na maior parte dos casos, pouco adequados à sua faixa etária ou maturidade, podendo inclusivamente ter contacto com uma série de perigos online, desde situações de cyberbullying ou outros comportamentos perigosos como o sexting, sextortion, grooming ou violência sexual com base em imagens. A verdade é que sem a supervisão/orientação necessárias se torna mais difícil para os mais novos desenvolver as competências adequadas para reconhecer e lidar com todas estas potenciais ameaças online, e que lhes poderá afetar de modo muito significativo o bem-estar físico e emocional.

Há uns anos, quando ocorria este tipo de agressões, na maioria das vezes apenas eram do conhecimento dos intervenientes e alguns pares que os presenciavam, atualmente sabemos que um vídeo gravado à hora do almoço, a meio da tarde já foi visualizado por muitas crianças e jovens e até adultos (e não apenas os da escola ou de contexto onde tenham ocorrido), visto que foi colocado online e partilhado vezes e vezes sem conta.

Já todos ouvimos falar das consequências nefastas que estes comportamentos online podem provocar nas suas vítimas, tais como estados graves de ansiedade e stress, diminuição do rendimento escolar, desistência de atividades lúdico-desportivas, perturbações alimentares e do sono, ideação, tentativa ou mesmo o suicídio, até porque muitas vezes quem agride, ameaça, humilha, expõe, consegue fazer com a vítima não denuncie ou, pelo menos, demore a fazê-lo. A vítima é levada a pensar que merece estar a passar por tal aperto, afinal “não se portou bem”, “envergonhou os pais ou a família” ou que, se fosse alguém mais equilibrado ou até inteligente, nunca se envolveria neste tipo de situações.

Há umas décadas, as crianças e jovens refugiavam-se na escola para fugir da violência em casa. Depois, passaram a ficar em casa para fugir da violência na escola. Hoje, com a banalização do uso das tecnologias, acabaram-se as fugas! Qualquer pessoa pode ser alvo de agressões online, até mesmo quem não tem presença nas redes sociais, basta que uma fotografia, um vídeo ou outro qualquer conteúdo seja partilhado por terceiros, existindo depois a exposição de situações humilhantes, de gozo gratuito, de exposição de conteúdos mais privados sem que, tantas e tantas vezes, a própria vítima tenha conhecimento do que se está a passar num grupo de WhatsApp ou noutra qualquer rede social.

Outra questão que não podemos esquecer é que, apesar de ser muito importante e estruturante a promoção da autonomia dos mais jovens, a pouca ou mesmo ausência de uma supervisão parental positiva, com um caráter essencialmente pedagógico, pode levar à aquisição de hábitos menos positivos no que respeita ao uso da tecnologia, como as dependências relativas às redes sociais, assim como ao jogo online. Sem “balizas” (leia-se, regras específicas de utilização online), que devem ser refletidas em conjunto entre pais, mães ou outro adulto que seja responsável pela educação da criança ou jovem, facilmente estes poderão passar demasiadas horas “presos aos ecrãs”.

A experiência demonstra-nos que a existência de um canal de comunicação aberto e tranquilo que permita ajudar a discutir as preocupações, receios ou até possíveis experiências menos positivas que os mais novos poderão experienciar na sua relação com os diversos dispositivos digitais, resulta num momento de crescimento para todos (crianças, jovens e famílias) que, caso não exista, afetará fortemente a sua saúde física e mental.

É importante não esquecer o permanente esforço que os pais e mães devem fazer para se manterem atualizados sobre as novidades tecnológicas, incluindo os jogos que os mais novos mais jogam ou as plataformas que mais utilizam. Isso implica, além da leitura frequente sobre estes temas, a procura de recursos online que sejam confiáveis e, o mais importante de tudo, que construam ou reforcem um relacionamento aberto, empático e próximo com os filhos, de forma a que estes se sintam suficientemente confortáveis para partilhar algumas das suas experiências online.

Esta relação próxima e positiva permitirá intervir o mais precocemente possível, prevenindo potenciais situações de violência através dos dispositivos digitais, das redes sociais e da Internet em geral que podem ser devastadoras para as crianças e jovens. E, como se costuma afirmar, o futuro, incluindo o online, não se adivinha, prepara-se!


O autor escreve segundo o Acordo Ortográfico de 1990

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