Israel: procuradora pede início de recrutamento de ultra-ortodoxos

Questão que sempre dividiu o país ganhou mais importância depois de 7 de Outubro. É agora a primeira brecha na coligação de Netanyahu.

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Protesto de ultra-ortodoxos pela continuação da dispensa do serviço militar para estudantes de escolas religiosas RONEN ZVULUN/Reuters
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A procuradora-geral de Israel, Gali Baharav-Miara, disse esperar que o processo de recrutamento de judeus ultra-ortodoxos (haredim) comece nesta segunda-feira, numa questão que está a abalar o Governo do país, que conta com o apoio dos partidos ultra-ortodoxos.

“A partir de 1 de Abril de 2024 não haverá nenhuma fonte de autoridade para uma excepção para o recrutamento militar para os alunos das yeshivot [escolas religiosas]” e assim as autoridades da Defesa deverão “agir para os recrutar de acordo com a lei”, escreveu a procuradora-geral numa carta aos conselheiros legais do Ministério da Educação e da Defesa divulgada pelo Canal 13 da televisão israelita.

Embora não se espere uma saída, pelo menos para já, destes partidos da coligação do Governo, a questão é essencial para eles e esta é a primeira “brecha no muro” da coligação, comentou ao Washington Post Gilad Malach, especialista na comunidade ultra-ortodoxa do centro de estudos Israel Democracy Institute.

A questão da excepção do serviço militar dos ultra-ortodoxos foi a causa principal para o impasse político em Israel que durou quatro anos em que foram levadas a cabo cinco eleições legislativas — não era possível reconciliar a insistência dos parceiros ultra-ortodoxos de Netanyahu em continuar a ter a excepção ao serviço militar e de outro antigo e potencial parceiro de Netanyahu, Avigdor Lieberman, em fazer com que os haredim cumprissem este serviço.

A possibilidade de alguns haredim não fazerem serviço militar obrigatório foi concedida pelo fundador do Estado hebraico e primeiro chefe de Governo David Ben-Gurion, quando a comunidade tinha um peso muito menor no país (na altura foi concedida a 400 alunos). Todos os outros cidadãos de Israel têm de fazer serviço obrigatório (três anos para os homens, dois para as mulheres) com a excepção dos cidadãos palestinianos de Israel (árabes israelitas). Após o tempo de serviço militar obrigatório, seguem-se anos de serviço anual como reservistas.

Mas com a comunidade ultra-ortodoxa a representar 13% da população, começa a ser difícil quer não a incluir no esforço quer manter o estudo subsidiado pelo Estado. O diário britânico The Guardian diz que, segundo dados das Forças Armadas de Israel, cerca de 66 mil homens ultra-ortodoxos foram dispensados do serviço militar no ano passado.

Na altura das negociações para a actual coligação de Governo chefiada por Benjamin Netanyahu, explica Anshell Pfeffer no Haaretz, o primeiro-ministro prometeu aos ultra-ortodoxos que os protegeria de uma decisão judicial contrária à continuação da excepção (alvo de uma decisão judicial por violar o princípio da igualdade).

Mas Netanyahu optou por antes levar a cabo um ataque ao sistema judicial, tentando enfraquecer o Supremo, argumentando que este seria o meio mais fácil de garantir a manutenção da excepção para os haredim. Essa manobra provocou, no entanto, uma enorme reacção em Israel, com protestos semanais enormes, e o Governo acabou por não levar avante a reforma judicial — e, entretanto, a 7 de Outubro, o Hamas atacou.

Não é muito provável que as autoridades comecem a concretizar as ordens de recrutamento no imediato, dizem os media de Israel. Nem que os partidos ultra-ortodoxos saiam do Governo no curto prazo, ou que deixem de dar apoio parlamentar. Poderão, diz Pfeffer no Haaretz, fazer um cálculo de que mesmo sem a excepção lhes compensa ficar no executivo, “onde têm poder sem precedentes e milhares de milhões de verbas para os seus interesses”.

A questão deverá, sim, pôr-se no próximo executivo, diz Pfeffer.

Se de qualquer modo a evolução demográfica dificultaria que os ultra-ortodoxos conseguissem manter este estatuto durante muito mais tempo, a guerra que Israel leva a cabo está a levar a que as forças militares estejam em esforço, além do número de militares mortos na Faixa de Gaza, que chegou nesta segunda-feira a 600. Neste contexto, a excepção torna-se ainda mais difícil de defender.

Há três modos de ter mais soldados no activo, disse Gilad Malach: aumentar a duração do serviço militar obrigatório, aumentar o período em que os reservistas servem e a última opção seria que houvesse mais haredim nas Forças Armadas (há soldados ultra-ortodoxos a servir no Exército, mas são uma minoria). “Estamos a mandar os nossos filhos, irmãos, irmãs, para sacrificar as suas vidas, e eles [os ultra-ortodoxos] continuam protegidos.”

Para a comunidade, isto é “um grande terramoto”, disse Tzipi Yarom-Diskind, que trabalha no jornal Mishpacha, ao Washington Post. Para ela, a questão resume-se assim: “Já não vamos apoiar quem estuda a Tora.” Como “foi a Tora que nos deu o direito a viver aqui”, argumenta, “os que preservam a Tora protegem o nosso direito a viver aqui”.

O rabino ultra-ortodoxo Yitzhak Yosef disse que a comunidade sairia do país em grande escala para o estrangeiro. “O Estado existe com base no estudo da Tora, sem a Tora, não haverá sucesso para o Exército.”

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