Os golos do refugiado Ante e do economista Budimir

Refugiado, internacional apenas aos 29 anos, goleador na Liga espanhola depois de uma carreira mediana, economista e avançado que nem faz questão de marcar golos. Nada em Ante Budimir parece banal.

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Budimir (de azul) em acção pelo Osasuna EPA/Carlos Barba
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Quando um futebolista marca golos ninguém franze o sobrolho. Se ele o faz depois de ter fugido da Guerra, se calhar já sugere alguma admiração – e um sobrolho ligeiramente erguido. Se ele marca muitos golos num grande campeonato, tendo fugido à Guerra, e concilia isso com formação em Economia, então já temos sobrolhos bem arqueados. Este é Ante Budimir, um croata com histórias para contar, coisas estranhas para dizer e livros para estudar.

O avançado de 32 anos marcou neste sábado mais um golo na Liga espanhola, no triunfo (3-0) do Osasuna frente ao Almería. É o melhor marcador do campeonato, com 16 golos – e vai com seis nos últimos sete jogos.

A vida e a carreira deste jogador têm caminhos tortuosos. Nascido na Bósnia, teve de fugir do país ainda em criança, tendo-se refugiado na Croácia com a mãe, que o criou, e com o pai, que morreu num acidente de carro pouco tempo depois da fuga.

Como futebolista, não foi mais fácil. Nunca jogou na Bósnia e nunca pôde sequer jogar num grande clube croata. Além disso, Ante Budimir é o jogador que marcou 17 golos numa temporada no Crotone, mas também é o que marcou um no St. Pauli e um na Sampdoria.

Também por essa carreira algo banal, e ao estilo montanha-russa, teve de esperar até aos 29 anos para ser chamado à selecção da Croácia – algo que não é, em tese, um bom cartão-de-visita.

Em geral, nunca pareceu ser um jogador para altos voos – metaforicamente falando, já que no plano literal este é um avançado de 1,90 metros especialista em jogo aéreo.

E tem, depois, coisas incomuns para dizer. “Todos os avançados gostam de marcar, mas eu não quero isso como foco principal. Em todos os jogos há muito trabalho para fazer a ajudar a equipa”, disse, citado pelo Guardian.

E isto não faz lá grande sentido. Porque a afirmação tem lógica em abstracto, mas perde o nexo vinda da boca de um jogador profundamente unidimensional e cujo trabalho é quase na totalidade finalizar – e nisso é bastante bom, como prova o valor de golos acima do valor de golos esperados.

Além de ter um pé direito “cego” – marcou apenas um golo dessa forma –, é um exemplar bastante bom do famoso conceito de “pinheiro” celebrizado em Portugal por Paulo Sérgio quando treinava o Sporting.

Alto e magro, é um jogador cujo mapa de calor o coloca quase sempre dentro da área e para o qual vale a pena direccionar jogo directo – segundo o site Xvalue, é o jogador da Liga espanhola com mais duelos aéreos ganhos.

É, portanto, um jogador de atributos muito úteis, mas com virtudes limitadas. Em suma, Ante Budimir só é bom a marcar, e nisso é bastante bom, mas fala como se não fosse.

Outra coisa incomum, além desse paradoxo na visão que tem para um avançado e da máscara que usa nos jogos, depois de uma lesão no maxilar, é aquilo que faz do tempo livre. Encorajado e ajudado pelas irmãs, tem-se dedicado à Economia, aproveitando as regras pós-pandemia para fazer os exames online, sem ter de ir a Zagreb sentar-se em frente aos professores.

Refugiado, internacional apenas aos 29 anos, goleador na Liga espanhola depois de uma carreira mediana, economista, mascarado e avançado que nem faz questão de marcar golos. Budimir pode ser muita coisa, mas um homem banal ninguém poderá dizer que é.

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