Comissão de Protecção de Dados suspende recolha de dados da íris pela Worldcoin

CNPD explica que a empresa já foi informada da decisão provisória, que acontece após queixas de recolha de dados biométricos de menores de idade sem autorização dos pais.

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Os locais de recolha de dados através do dispositivo "Orb", situados em grandes superfícies comerciais, quase que duplicaram em seis meses Daniel Rocha
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A Comissão Nacional de Protecção de Dados (CNPD) decidiu suspender, por 90 dias, a recolha de dados biométricos realizada pela Worldcoin Foundation, o projecto do co-criado pelo presidente executivo da OpenAI para fornecer uma identidade digital única, e criptomoedas, a cada pessoa no mundo através de códigos da íris. A decisão da CNPD visa salvaguardar o direito à protecção de dados pessoais, especialmente de menores.

Em comunicado, a CNPD explica que a empresa já foi informada desta suspensão temporária, que decorre até que seja concluída a averiguação e emitida a decisão final sobre a matéria.

A adopção desta medida provisória urgente surge na sequência de "largas dezenas de participações" recebidas na CNPD no último mês, dando conta da recolha de dados de menores de idade sem a autorização dos pais ou outros representantes legais, bem como de deficiências na informação prestada aos titulares, na impossibilidade de apagar os dados ou revogar o consentimento.

Na sequência destas queixas, a CNPD já tinha aconselhado, no início do mês, os cidadãos a ponderarem muito bem antes de ceder estes dados.

Já ao final da manhã a empresa emitiu um comunicado onde afirma que "a Worldcoin está em total conformidade com todas as leis e regulamentos que regem a recolha e transferência de dados biométricos, incluindo o Regulamento Geral de Protecção de Dados da Europa". A Worldcoin Foundation acrescenta que este relatório da CNPD "é o primeiro contacto que temos da parte deles sobre muitos destes assuntos, incluindo o tema de verificações por menores em Portugal", estando a trabalhar para a resolução dessa situação.

Empresa dava criptomoedas que não existiam

No início de Março, a Worldcoin operava em dez países (Alemanha, Argentina, Chile, Espanha, Estados Unidos, Japão, México, Portugal, Coreia do Sul e Singapura), mas, ao todo, a empresa recolheu códigos da íris em 36 países. Entretanto, Espanha suspendeu a actividade da empresa.

O PÚBLICO questionou a equipa da Worldcoin sobre a discrepância, mas não obteve resposta. Sabe-se que a empresa teve de sair de vários mercados, como a França, Índia, Brasil e a África do Sul, devido às estratégias dos colaboradores no terreno.

Uma investigação da revista de tecnologia do MIT, a Technology Review, em 2022, revelou que os operadores da Orb recolhiam dados pessoais em excesso e não davam os detalhes necessários para as pessoas consentirem de forma informada. Uma das estratégias era distribuir dinheiro e brindes a quem aderia ao projecto.

Ao PÚBLICO, a Worldcoin insiste que os colaboradores nunca distribuíram dinheiro directamente – eram dados vales de criptomoedas (que na altura não existiam). A Worldcoin também cessou as operações na Turquia, em Abril de 2021, após o país ter proibido a utilização de criptomoedas, e saiu do Sudão após o golpe de Estado naquele país, em Setembro desse ano.

“Começámos a testar a tecnologia de forma muito intensa em vários países e a comunicação não foi feita da melhor forma”, explicou, em 2022, Ricardo Macieira, que na altura já via Portugal como um caso diferente, por entender que o país é “receptivo” a novas tecnologias.

Locais de recolha duplicaram em seis meses

Na nota hoje emitida, a CNPD refere ainda que a cobertura noticiosa feita pelos órgãos de comunicação social trouxe ao seu conhecimento que mais de 300 mil pessoas em Portugal já tinham fornecido os seus dados biométricos, condição indispensável para receber um determinado valor em criptomoeda, designada por Worldcoin.

A empresa começou há meses, em diversos países, a fazer imagens digitais da íris de pessoas que voluntariamente se submeteram a esse registo em troca de uma compensação em criptomoedas (uma moeda virtual usada na internet) equivalente a cerca de 70 euros.

Os locais de recolha de dados através do dispositivo "Orb", situados em grandes superfícies comerciais, quase que duplicaram em seis meses.

"A grande afluência de pessoas, incluindo de menores, para aderir ao projecto Worldcoin e receber "tokens" (criptomoeda) levou à necessidade de marcação prévia do processo de registo e recolha dos dados biométricos", recorda a CNPD, sublinhado que não há "qualquer mecanismo de verificação de idade dos aderentes".

Dados da íris são considerados "especiais" à luz da lei

Os dados biométricos "são qualificados como dados especiais no RGPD (Regulamento Geral sobre a Protecção de Dados)" e gozam, por isso, de "uma protecção acrescida", lembra a CNPD, insistindo que os riscos do tratamento deste tipo de dados são elevados.

Por outro lado — sublinha —"os menores são pessoas especialmente vulneráveis e são também objecto de uma protecção especial por parte do legislador europeu e nacional, por poderem estar menos cientes dos riscos, consequências e garantias do tratamento dos seus dados pessoais, bem como dos seus direitos". Assim, a CNPD justifica esta "intervenção urgente" para "prevenir danos graves ou irreparáveis" com o facto de o risco para os direitos fundamentais dos cidadãos ser elevado.

Citada em comunicado, a presidente da CNPD, Paula Meira Lourenço, considerou que "esta ordem de limitação temporária da recolha de dados biométricos pela Worldcoin Foundation é, neste momento, uma medida indispensável e justificada para obter o efeito útil da defesa do interesse público na salvaguarda dos direitos fundamentais, sobretudo dos menores".

A CNPD refere que prossegue a sua averiguação, com "diligências adicionais" e a análise das participações que diariamente continua a receber, tendo em vista a conclusão do processo.

A Agência Espanhola de Protecção de Dados (AEPD) ordenou no início do mês a suspensão da actividade da empresa. A AEPD tinha anunciado em 20 de Fevereiro a abertura de uma investigação à actividade da empresa na sequência de quatro queixas que tinha recebido. Na altura, a Worldcoin acusou a AEPD, de "contornar a lei" da União Europeia e divulgar "afirmações imprecisas e equivocadas" sobre a sua tecnologia.


Actualizado às 12h00 com a resposta da Worldcoin Foundation