Os maiores perdedores do mundo não sabem mesmo ganhar
Estávamos sedentos de uma vitória de São Marino que permitisse que este fosse um texto sobre fazer história, mas eles voltaram a não ganhar, como não ganharam nos últimos 20 anos.
Há uns dias escreveu-se que “a pior selecção do mundo voltou a perder”. Mas e que tal “afinal, os maiores perdedores do mundo sabem ganhar”? Seria mais bonito... ou não? O problema é que eles não sabem.
Neste domingo, SãoMarino voltou a não ganhar e vai "celebrar", daqui a 34 dias, 20 anos sem vencer um jogo. Por que motivo fazemos disto notícia? É que no futebol europeu de selecções não há tão maus como eles. Luís Freitas Lobo gosta de dizer “acima disto não há mais nada”, quando vê grandes golos, mas, com São Marino, podemos dizer que “abaixo disto não há mais nada” – e talvez pouco haja abaixo de um São Marino-St. Kitts & Nevis como o que terminou neste domingo com um 0-0.
Não vamos mentir: estávamos sedentos de uma vitória de São Marino que permitisse que este fosse um texto sobre fazer história.
Na quarta-feira, na primeira partida entre estas duas nações, São Marino marcou pelo quarto jogo consecutivo – um recorde. Mas isto não chegava. Queríamos mais. A pior selecção do mundo perdeu essa partida, como as três anteriores. E as 136 antes dessa. Em 34 anos, só ganhou um jogo – foi ao Liechtenstein, em 2004.
Iam em 137 jogos sem vencer. O mundo salivava por um triunfo de São Marino e vai ter de salivar mais um pouco – talvez até terem Gibraltar pela frente numa Liga das Nações.
Na quarta, como neste domingo, milhares de adeptos viram um dos piores jogos que o futebol de selecções tem para oferecer. Torcia-se por São Marino, com sorteios de camisolas caso a equipa do enclave italiano vencesse. Torcia-se por São Marino, porque os rapazes guiados por São Cristóvão, mesmo na sua incompetência, são superiores aos fiéis de São Marino.
Torcia-se por São Marino, porque tem uma claque chamada Brigata mai 1 gioia [brigada sem nenhuma alegria] – talvez o nome mais perfeito que alguém já inventou para um grupo de adeptos.
Torcia-se por São Marino, porque a Brigata mai 1 gioia nunca tinha visto a sua selecção ganhar um jogo – juntaram-se muitos anos depois da tal vitória de 2004. Torcia-se por São Marino porque, quando empataram com a Estónia, fizeram uma tarja a dizer “brigata mezza gioia” [brigada de meia alegria].
Torcia-se por São Marino, porque todos os bebés nascidos no enclave italiano recebem uma camisola da selecção, como incentivo para uma futura geração de futebolistas ou, no mínimo, "futeboleiros" – e é melhor se puderem receber uma camisola de uma equipa que sabe ganhar.
Torcia-se por São Marino, porque os preceitos do ranking FIFA não são justos com uma selecção que não é pior do que equipas fracas de África, Ásia, América ou Oceânia, mas que, defrontando rivais europeus mais dotados, raramente faz pontos.
Torcia-se por São Marino, porque a equipa tem conseguido marcar mais golos do que é habitual e uma vitória não seria apenas fruto do acaso, mas sim passível de ser (ingenuamente) enquadrada numa melhoria da equipa.
Torcia-se por São Marino, porque há anos que a vida futebolística destes homens se limita a tirarem fotos e trocarem camisolas com estrelas mundiais, depois de 90 minutos a tentarem não ser destruídos por elas.
Quando St. Kitts marcou o 2-1 na última quarta-feira, o autor da página de apoio a São Marino viveu o momento utilizando um famoso meme que diz “merda... aqui vamos nós outra vez...”. E foram mesmo. Foram na quarta e foram neste domingo, novamente. Os maiores perdedores do mundo não sabem mesmo ganhar.