Deputado do Chega foi imigrante ilegal em França para fugir à ditadura? As contas desmentem
Ventura afirmou que deputado do Chega só foi imigrante ilegal para fugir à ditadura. Mas José Dias Fernandes saiu de Portugal depois do 25 de Abril, no ano das primeiras eleições democráticas.
A afirmação
“O José Dias fugiu à guerra, à ditadura, e foi para França. Estávamos nos anos 60, valha-me Deus, nos anos 60! Não tem nada a ver com a imigração ilegal de que falamos hoje. Era uma realidade completamente diferente. Estamos a falar de uma ditadura que estava a acabar, de uma guerra” — André Ventura em entrevista à SIC Notícias.
O contexto
A vitória do Chega nos círculos eleitorais da emigração, conhecida na última quarta-feira, trouxe mais uma polémica à tona: um dos dois deputados eleitos pelo partido liderado por André Ventura, José Dias Fernandes, foi imigrante ilegal em França, chegou a ser expulso do país por duas vezes e só se conseguiu fixar no país à terceira tentativa, quando regularizou a sua situação no mandato do Presidente francês François Mitterrand.
A história do deputado do Chega, natural de Viana do Castelo e nascido em 1959, foi contada pelo PÚBLICO no dia em que os resultados eleitorais dos círculos da emigração foram conhecidos, colocando um ponto final à contagem dos votos das eleições legislativas e culminando na indigitação de Luís Montenegro, presidente do PSD e líder da Aliança Democrática, por Marcelo Rebelo de Sousa.
No dia seguinte, quinta-feira, André Ventura comentou a polémica em duas ocasiões. A primeira foi ainda durante o dia quando, em declarações aos jornalistas, disse que "o José Dias fugiu à ditadura portuguesa" e "a esquerda devia gostar disso, em vez de lhe estar a apontar o dedo": "Se nós queremos ser sérios, o nosso homem da emigração fugiu à ditadura."
Confrontado com o facto de a situação do deputado ser precisamente aquela que o Chega condena, Ventura defendeu que "ele foi imigrante ilegal face à ditadura portuguesa, não face às leis que temos hoje na União Europeia". "O José Dias fugiu a uma ditadura e a uma guerra", insistiu. Foi essa a ideia que repetiu mais tarde, em entrevista à SIC Notícias.
"O José Dias fugiu à guerra, à ditadura, e foi para França. Estávamos nos anos 60, valha-me Deus, nos anos 60! Não tem nada a ver com a imigração ilegal de que falamos hoje", reiterou: "Era uma realidade completamente diferente. Estamos a falar de uma ditadura que estava a acabar, de uma guerra."
Os factos
Não é verdade que José Dias Fernandes tenha emigrado durante os anos 60, quando ainda era uma criança, como André Ventura afirmou na entrevista à SIC Notícias. Numa entrevista ao LusoJornal em 2022, por altura das eleições legislativas, o novo deputado do Chega argumentava que tinha um conhecimento profundo sobre a emigração: "Vou fazer 46 anos de emigrante", disse ele à época.
Contas feitas, isso significa que José Dias Fernandes terá saído de Portugal em 1976 — anos 70, não nos anos 60. Nesse ano, a Revolução dos Cravos já tinha ocorrido havia dois anos (colocando fim à ditadura de que José Dias Fernandes supostamente teria fugido) e realizavam-se no país as primeiras eleições em democracia para a Assembleia da República.
Numa nova entrevista ao mesmo meio de comunicação social, prestada em Fevereiro deste ano a propósito das eleições de 10 de Março, José Dias Fernandes, residente em França, recordava que tinha emigrado "jovem, já lá vão quase 50 anos" — mais precisamente 48 anos, de acordo com os dados indicados há dois anos pelo próprio.
"Fui expulso duas vezes, também é verdade. Depois tentei Andorra, voltei para cá [França] e fui expulso novamente. Depois voltei em '78 outra vez e, quando passou [a presidência para] François Mitterrand, tive ocasião de fazer os papéis e fiquei regularizado". Ora, François Mitterrand só assumiu a presidência francesa em 1981, tendo permanecido no cargo até 1995 — muito depois da emigração de José Dias Fernandes.
O veredicto
É falso que um dos deputados do Chega pelos círculos eleitorais da emigração, José Dias Fernandes, tenha entrado ilegalmente em França para fugir da "ditadura" e da "guerra". Nas entrevistas dadas nos últimos dois anos pelo próprio deputado ao LusoJornal, José Dias Fernandes confirma que saiu de Portugal já depois do 25 de Abril, mais precisamente em 1976. Por isso, as justificações que André Ventura prestou após a notícia do PÚBLICO não são verdadeiras.