CES: Ministério Público já recebeu relatório da comissão independente sobre assédio

Organismo vai averiguar se há possibilidade de abrir inquérito sobre crimes públicos ou semipúblicos. Colectivo de vítimas promete apresentar várias queixas.

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Mensagens de apoio e protesto antiassédio no CES no dia da apresentação do relatório PAULO NOVAIS/Lusa
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O Ministério Público (MP) confirmou nesta quinta-feira que recebeu o relatório da comissão independente do Centro de Estudos Sociais (CES) da Universidade de Coimbra e que irá analisar se existe alguma matéria do ponto de vista criminal.

De acordo com fonte do MP de Coimbra, o relatório da comissão independente, tornado público na semana passada, foi entregue na terça-feira. "O relatório será agora lido, para percebermos se há algo que possa dar origem a um inquérito e a algum crime público ou semipúblico, se houver queixa", explicou a fonte à agência Lusa.

Quarta-feira, um dos grupos que mais se têm manifestado publicamente sobre o caso — o auto-intitulado Colectivo de Vítimas, que reúne mais de uma dezena de pessoas que se queixam de ter sofrido assédio sexual, moral, extractivismo intelectual e represálias na carreira — instava precisamente numa carta aberta o CES a enviar as conclusões do relatório ao MP e prometia, por seu turno, enviar a mesma missiva ao Ministério Público.

Além disso, promete apresentar queixas ao MP após coligir e trabalhar legalmente o material que foi submetido à comissão independente: "um dossier com 213 páginas" com "relatos de assédio moral, sexual, abuso de poder e extractivismo intelectual sustentados em factos apresentados com detalhe e em elementos probatórios, que incluíram emails, prints de conversas que ocorreram no período das violências, contratos, artigos, manuscritos de livro" e também a nomeação de "18 testemunhas dispostas a corroborar todos os factos narrados". No total, dez mulheres apresentaram os seus casos à comissão, casos esses que abarcam mais de 20 anos. O CES foi fundado em 1978.

Três investigadoras que passaram pelo CES da Universidade de Coimbra denunciaram situações de assédio, há cerca de um ano, no capítulo The walls spoke when no one else would (“As paredes falaram quando mais ninguém o fez”) do livro Sexual Misconduct in Academia (“Má conduta sexual na Academia”), o que levou à suspensão dos investigadores Boaventura de Sousa Santos e Bruno Sena Martins de todos os cargos que ocupavam no CES.

A comissão independente criada para averiguar denúncias no CES divulgou no dia 13 o seu relatório, através do qual confirmou a existência de padrões de conduta de abuso de poder e assédio, por parte de pessoas em posições hierarquicamente superiores.

"Da análise de toda a informação reunida, bem como das versões entre as pessoas denunciantes e pessoas denunciadas que foram compatíveis entre si, indiciam padrões de conduta de abuso de poder e assédio por parte de algumas pessoas que exerciam posições superiores na hierarquia do CES", revelou o relatório final da comissão independente, que iniciou funções em Agosto de 2023.

Aquando da apresentação pública do relatório, o director do CES, Tiago Santos Pereira, tinha admitido que iria remeter o conjunto de denúncias ao MP, porque poderiam ter algum tipo de valor penal. Segundo o relatório, à comissão independente foram denunciadas 14 pessoas por 32 denunciantes, num total de 78 denúncias.

Setenta e oito por cento dos denunciantes são mulheres, seis por cento são homens e em 16% dos casos não foi possível identificar o sexo devido à denúncia ter sido feita de forma anónima.

Vinte e oito por cento das denúncias dizem respeito a casos de assédio moral, 19% a assédio sexual, oito por cento a abuso sexual, 27% a abuso de poder e 18% integram-se em outras categorias.

O relatório alude ainda ao facto de as várias direcções do CES, ao longo dos anos, terem subvalorizado algumas situações com indícios de comportamentos menos próprios nas relações entre membros da sua comunidade.

"Com isso, podem ter contribuído para a eventual perpetuação das mesmas. Em concreto, a forma como lidaram com as "pichagens", iniciadas em 2017, ignorando e não actuando administrativa e judicialmente, indicia uma maneira leviana de actuação sobre alegados comportamentos que deveriam, por parte de um órgão executivo, ser levados muito a sério, nomeadamente através de uma investigação interna".

As conclusões do relatório levaram ainda a que tivesse sido publicada uma carta aberta, na página de internet do CES, através da qual foram pedidas desculpas às vítimas das eventuais práticas de assédio e abuso moral e sexual e de abuso de poder cometidas por investigadores da instituição, estando em avaliação a possibilidade de serem abertos processos disciplinares aos denunciados.

O Colectivo de Vítimas apelou, na quarta-feira, ao CES para que abrisse um procedimento administrativo para levar à saída de Boaventura de Sousa Santos [director emérito suspenso do centro] do quadro de investigadores do CES, bem como processos disciplinares contra [os investigadores seniores] Bruno Sena Martins e Maria Paula Meneses”, além de, entre diversas medidas, processos de investigação para apurar o potencial envolvimento de outros nomes em práticas de encobrimento.