Tribunal condena dois ex-responsáveis do Lar do Comércio por 18 crimes de maus tratos

Ex-presidente e uma antiga directora de serviços foram condenados, cada um, a uma pena de seis anos e seis meses de prisão.

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Lar do Comércio foi condenado a uma multa de 510 mil euros Nelson Garrido
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O Tribunal Judicial de Matosinhos condenou nesta terça-feira um ex-presidente da direcção e uma antiga directora de serviços d'O Lar do Comércio, em Matosinhos, por 18 crimes de maus tratos relativos ao mesmo número de idosos dependentes que residiam na instituição. Foram condenados, cada um, a uma pena de seis anos e seis meses de prisão efectiva.

A própria instituição, também acusada, foi igualmente condenada pelos mesmos 18 crimes de maus tratos devido à actuação dos seus antigos responsáveis, tendo ficado obrigada a pagar uma multa de 510 mil euros.

A juíza que leu a decisão considerou que a falta de condições existente no lar até Fevereiro de 2020 levou vários idosos a ficar desnutridos, doentes e com escaras.​ Apesar das condenações, o tribunal absolveu, por falta de provas, os arguidos de outros 49 crimes de maus tratos pelos quais também tinham sido acusados, entre os quais 17 agravados por terem resultado em morte. A juíza, que frisou que nestes casos não se fez autópsia (que poderia permitir estabelecer o nexo de causalidade entre a omissão de cuidados e a morte), foi assim ao encontro do pedido do procurador que acompanhou o julgamento e que, nas alegações finais, tinha pedido a condenação dos arguidos apenas por 18 crimes.

A magistrada deu como provado que os dois arguidos se escusaram a contratar médicos, enfermeiros e funcionários necessários para o normal funcionamento do lar, além de não autorizarem a compra de equipamentos e mobiliário, produtos de higiene, colchões antiescaras, fraldas e suplementos proteicos. Tudo isto apesar de saberem que a instituição dispunha de meios económicos para o fazer, isto é, apenas para conter gastos. Deste modo, concluiu, violaram os deveres inerentes às funções que ocupavam.​ Os dois antigos responsáveis e a própria instituição foram ainda condenados a pagar 18 mil euros de indemnização aos familiares de uma das idosas maltratadas, que morreu em Janeiro de 2020, por danos não patrimoniais.

A condenação foi justificada com a “extensa documentação” existente no processo, nomeadamente relatórios médicos, perícias, queixas e fotografias, enumerou a juíza. A magistrada desvalorizou as contestações apresentadas pelos dois arguidos, qualificando-as como “considerações genéricas”.

O tribunal deu como provado a falta de organização da enfermaria onde viviam mais de 60 residentes dependentes, o que potenciava o risco de troca de medicação. Nesse serviço, as fraldas só eram habitualmente trocadas duas vezes por dia, e os idosos, mesmo os que sofriam de diabetes, passavam longas horas sem qualquer alimento. A juíza recordou que o jantar era servido às 18h e depois os residentes só comiam o pequeno-almoço já de manhã.

A juíza recordou a descrição que foi feita por algumas testemunhas que integraram a equipa que fez uma inspecção ao lar em Julho de 2019, numa altura em que viviam na instituição 243 pessoas, 63 das quais na chamada "enfermaria". Logo à entrada dessa área sentia-se um cheiro intenso a urina, realçou a juíza, que descreveu um rol de deficiências que incluem idosos amarrados às camas sem que se conhecessem qualquer indicação clínica para tal, outros sujos e com carências alimentares. A maior parte permanecia todo o dia em cadeiras ou camas, em alguns casos imóveis, o que propiciava o aparecimento de escaras, que, por vezes, não eram tratadas de forma devida. Os sistemas de alarme não funcionavam ou estavam demasiado longe para os acamados os activarem. A televisão era a única distracção dos idosos. Basicamente, faltavam cuidados de saúde, de higiene e alimentares. Falhava a atenção, os afectos e o entretenimento dos residentes acamados.

Ficou igualmente provado que, muitas vezes, doentes desorientados foram transportados para urgências hospitalares sem que ninguém da instituição os acompanhasse. Como os idosos estavam incapazes de se queixar, os respectivos diagnósticos tornavam-se mais difíceis, obrigando os médicos à realização de um elevado número de exames, que de outro modo seriam desnecessários.

À saída da leitura da decisão, o advogado do lar, Nuno Pimenta, sublinhou que a realidade que a juíza descreveu já não existe na instituição, que conta desde 2021 com uma nova direcção. "A própria juíza reconheceu que esta direcção tem tido uma atitude pró-activa. Eles levaram a cabo uma remodelação estrutural que, muitas vezes, não agradou a todos", afirma o defensor. Nuno Pimenta considera que a decisão mostra que "todos os actos têm consequências e que as pessoas que dirigem instituições têm de ter noção das suas responsabilidades, muito mais quando essas cuidam de idosos". Diz que ainda vai analisar o acórdão e decidir se vai recorrer.

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