Sindicato dos juízes vai a votos. Pedem-se aumentos salariais ou redução de serviço a partir dos 60
Dois magistrados disputam sucessão do carismático Manuel Ramos Soares. Falta de vocações, carência de funcionários judiciais e tribunais onde até cogumelos crescem são problemas apontados por ambos.
Um dos candidatos reivindica aumentos salariais, o outro clama por redução do serviço a partir dos 60 anos. Depois de ter sido governada durante seis anos pelo carismático Manuel Ramos Soares, a Associação Sindical dos Juízes Portugueses vai a votos e no final da semana saber-se-á quem venceu a disputa.
Os cabeças de lista apresentam perfis distintos, embora os programas eleitorais tenham vários pontos comuns, quando referem a falta de condições de muitos tribunais portugueses e a míngua cada vez maior de funcionários judiciais como problemas fulcrais do sistema de justiça.
Com 59 anos, assim que acabou o curso de Direito, tirado à noite para poder trabalhar de dia, Moreira das Neves não ingressou logo na magistratura, ou não fosse o salário de gerente bancário bem mais atractivo que o de juiz. “Mas não gostava de ser gerente, queria era ser juiz”, recorda. Acabou por largar o banco e por se fixar com a mulher, uma professora com quem tem três filhos, nos Açores, região que adoptou como sua. O casal ainda hoje lá mora, e Moreira das Neves, que fez todo o seu percurso nos tribunais açorianos, abraçou há vários anos a vida associativa da sua profissão – como sucede, de resto, com o seu adversário, Nuno Matos, cinco anos mais novo.
Visto como “o candidato do Norte”, por ter feito a sua carreira entre o Porto e Trás-os-Montes, Nuno Matos rejeita este epíteto. Afinal, sublinha, a sua lista integra candidatos de todo o país. E se Moreira das Neves, que chegou a dirigir a comarca judicial dos Açores, é visto como uma espécie de sucessor de Ramos Soares, já o juiz do Porto, casado com uma colega de profissão e por sinal a trabalhar desde Setembro no Tribunal da Relação de Lisboa, assume uma candidatura que rompe com esta linha de continuidade. Não só porque reivindica aumentos salariais para a classe como por não lhe agradar a exposição mediática que Ramos Soares ganhou. Isto apesar de reconhecer que a justiça “tem de saber comunicar” com os cidadãos. Mas com conta, peso e medida, defende.
O facto de o valor do salário médio em Portugal se ficar pelos 1505 euros brutos não demove Nuno Matos das suas pretensões: “E se fôssemos comparar os ordenados dos juízes com os dos altos quadros da administração pública?”, argumenta, explicando que hoje em dia a progressão na judicatura é demasiado lenta. “Dantes passavam-se 18 ou 19 anos na primeira instância, antes de se subir a um Tribunal da Relação. Hoje isso demora 26 a 27 anos”. Daí que o seu programa eleitoral proponha mais diuturnidades e ainda o aumento do pagamento do serviço ao fim-de-semana.
Recusando-se a pedir aumentos de ordenado, o magistrado dos Açores prefere defender a redução do volume de serviço para aqueles que atingiram os 60 anos, bem como para quem sofre de doenças decorrentes do desempenho das suas funções. “Em diversas outras profissões atende-se à idade como fundamento para a não realização de serviço nocturno, para o não prolongamento da jornada de trabalho ou mesmo para a diminuição do número de dias ou de horas de trabalho”, recorda o programa eleitoral de Moreira das Neves, que, tal como o seu rival, se mostra preocupado com o cada vez mais reduzido número de candidatos à profissão. Daí que proponha um aumento da bolsa mensal paga a quem está em vias de se tornar juiz, bem como a disponibilização de casas de renda acessível como já sucede para os professores, “com vista a ultrapassar o problema da carestia da habitação que se verifica em Lisboa”.
Nuno Matos elege de resto este como um dos principais problemas com que se confronta a classe, juntamente com a falta de oficiais de justiça e a falta de condições de funcionamento dos tribunais, nomeadamente no que respeita ao sistema informático, cujos frequentes bloqueios ocasionam demasiadas paragens no serviço. “Trata-se de um sistema informático do século passado”, corrobora Moreira das Neves.
No que concerne às questões deontológicas, o candidato do Porto ainda não tem uma opinião definida sobre por exemplo a presença de juízes nos órgãos dos clubes desportivos. O Conselho Superior da Magistratura tem vindo a analisar os pedidos nesse sentido de forma casuística, e ultimamente tem proibido aos magistrados judiciais o exercício desse tipo de funções. Já o seu rival não tem dúvidas: é contra.
No périplo que fizeram por todo o país durante a campanha eleitoral, os dois candidatos espantaram-se com os fenómenos com que depararam alguns tribunais. “No Tribunal Administrativo e Fiscal de Aveiro até cogumelos crescem nas paredes”, descreve o juiz dos Açores. “Em Cascais encontrei uma secção do tribunal fechada por falta de funcionários”, relata por seu turno Nuno Matos.
O resultado da disputa deverá ser conhecido no sábado à noite. Mais de 90% dos juízes portugueses estão inscritos nesta associação.