Especialista diz que literacia em saúde do sono melhorou, mas ainda há muita ignorância
Como tratar a insónia? A terapia cognitivo-comportamental é a primeira escolha de intervenção usada no tratamento da insónia crónica e engloba uma abordagem focada nas causas e sintomas do problema.
O director do Centro Europeu do Sono, Miguel Meira e Cruz, considera que a literacia em saúde do sono melhorou nos últimos anos, mas disse que ainda existe muita ignorância e falta de formação nesta área.
O responsável, que falava à agência Lusa a propósito do Dia Mundial do Sono, que se assinala na sexta-feira, disse que a resposta dos serviços públicos de saúde portugueses nesta área está "aquém do desejável" e defendeu uma maior aposta nos cuidados de saúde primários, onde a formação dos profissionais é escassa e a falta de tempo para o doente tem implicações terapêuticas.
"A formação destes profissionais ainda é escassa nesta matéria. Por outro lado, o tempo que têm por consulta, muitas vezes, mal chega para o doente abrir a boca e falar", afirmou o especialista, sublinhando que isto tem implicações terapêuticas, especificamente na insónia.
Terapia cognitivo-comportamental versus medicamentos
Segundo explicou, de acordo com as guidelines, deve preferir-se a terapia cognitivo-comportamental relativamente ao uso de medicamentos. No entanto, "dá menos trabalho e é mais rápido passar uma receita do que ocupar algum tempo com recomendações sistematizadas".
"A formação de especialistas na terapia cognitivo-comportamental para o sono e para a insónia (primeira linha de tratamento na insónia primária) é muito escassa e os profissionais quase inexistentes no país", insistiu.
A terapia cognitivo-comportamental é a primeira escolha de intervenção usada no tratamento da insónia crónica e engloba uma abordagem psicoterapêutica específica focada nas causas e sintomas do problema.
Sobre o aumento de casos de perturbações do sono, disse que hoje estas questões são encaradas "como algo inequívoco", quando antigamente havia muito a tendência para as associar à idade, por exemplo, e recorda que as "horas normativas" de sono variam ao longo da vida, mas "menos do que supõem os que ignoram a ciência do sono".
"Por exemplo, aqueles velhotes que acham que é natural dormir menos porque envelheceram podem assumir que esse facilitismo e aceitação errada pode ser bem a causa de um envelhecimento precoce ou de maiores atribulações de saúde", acrescentou, insistindo: "É certo que se dorme de forma diferente, mas o pressuposto do sono é o mesmo em qualquer idade - recuperar e sentir-se melhor depois de o fazer."
Citando um estudo da Sociedade Portuguesa de Pneumologia, que concluiu que cerca de metade dos portugueses tem um sono insatisfatório ou insuficiente, com 75% a dormir menos de sete horas por noite, Miguel Meira e Cruz lembra que os motivos para não se dormir podem ser diversos e não se tratam todos da mesma maneira. "O custo [de não dormir] é alto, mesmo o de uma única noite", alertou.
A este respeito, recorda que a medicina do sono "envolve praticamente todos os órgãos e sistemas" e que, quando não dormimos, algumas funções "entram em falência".
"Algumas das disfunções associadas à restrição do sono são as cardiometabólicas", exemplificou, sublinhando o facto de serem a primeira causa de morte em grande parte do globo, "evitável e com custos directos e indirectos, individuais e colectivos".
Disse ainda que a restrição do sono está também relacionada com a memória, a atenção, a aprendizagem, alterações imunitárias e inclusivamente com o cancro.
O especialista defende igualmente que, nos problemas do sono, "um mal raramente vem só", pois a comorbilidade (ter várias doenças) "é altamente prevalente", seja de outras doenças do sono (insónia e apneia), seja a coexistência de doenças do sono com doenças psiquiátricas como a ansiedade ou a depressão.