A roupa de Kostiantyn Omelia vem à ModaLisboa, mas ele não pode sair da Ucrânia
A Semana da Moda Ucraniana organiza um desfile de três criadores neste domingo, no Pátio da Galé, às 15h. O objectivo é conseguir visibilidade e clientes internacionais.
Darja Donezz e Nadya Dzyak saíram da Ucrânia assim que a guerra implodiu há mais de dois anos. À distância, coordenam as equipas que por lá ficaram, num país onde a vida (e a moda) tem de prosseguir. Já Kostiantyn Omelia está encurralado em Kiev e a qualquer momento pode ser convocado para a frente de batalha. Os três criadores trazem a Semana da Moda Ucraniana à 62.ª ModaLisboa, neste domingo, no Pátio da Galé.
Foi Lisboa que Darja Donezz escolheu para viver com a família assim que os russos invadiram a Ucrânia a 24 de Fevereiro de 2022. Fazem parte dos mais de 59 mil ucranianos que estão em Portugal, de acordo com a Agência para a Integração, Migrações e Asilo. O que motivou a escolha foi a segurança, apesar de continuar a acreditar que voltará ao seu país. “Sinto tudo o que se passa lá. Às vezes choro, outras vezes consigo estar feliz”, conta ao PÚBLICO.
Nadya Dzyak está em Viena, Áustria, mas garante que o seu maior sonho é poder voltar a pisar a passerelle na Semana da Moda Ucraniana, em Kiev. “Depois da nossa vitória, vamos voltar”, diz, confiante. Kostiantyn Omelia está menos optimista, sobretudo por trabalhar todos os dias ao som das sirenes de aviso de bombardeamentos. “Para as nossas encomendas estrangeiras, fizemos um cartão especial com um código QR, que permite ouvir as sirenes. Porque todas as nossas roupas são feitas com essa banda sonora”, conta, emocionado.
Será a primeira vez que a Omelia, a marca do jovem criador, fará um desfile em passerelle. “Vou ligar-me pela Internet para ajudar a minha equipa, mas não posso estar em Lisboa. Posso tornar-me um soldado amanhã”, explica. Quando o conflito com a Rússia implodiu, Kostiantyn morava em Barcelona e decidiu regressar a Kiev, ciente de que o seu futuro poderá ser combater. “Amo o meu país.”
Para evitar criar mais resíduos têxteis, o designer costumiza camisas brancas que já existem com bordados ou apliques em pedraria. Um dos objectivos é apoiar a comunidade LGBTI e, em Junho passado, lançou uma colecção Pride. “Pouco depois, fui espancado na rua, por ter assumido pertencer à comunidade no meu Instagram. Para mim, é importante mostrar com o meu trabalho que devemos ser todos tolerantes uns para os outros”, testemunha.
Nadya Dzyak escuta emocionada o testemunho de Kostiantyn Omelia num encontro digital do PÚBLICO com os três designers. Apesar de a história de Nadya não ter os mesmos contornos, também ela sente que enquanto criadora de moda tem a missão de falar ao mundo através das suas criações. “A nossa última colecção foi inspirada por Polina Raiko, uma famosa pintora ucraniana, cuja casa-museu foi destruída por uma bomba russa. Ou a primeira colecção que fiz após o início da guerra foi toda em preto”, exemplifica.
Também Darja Donezz é da mesma opinião e recorda a ambivalência que todos sentiram assim que a guerra começou. Pensar em moda era quase uma futilidade perante a esmagadora realidade que o seu país tinha sido atacado pela Rússia. “Mas então recebi uma mensagem de uma cliente a dizer que andava a hesitar em comprar um vestido meu há muito tempo. A guerra foi o impulso que precisava e disse-me: ‘Não sei quanto tempo vou esperar para que a guerra termine e possa usá-lo, mas, pelo menos, posso vê-lo meu armário.’”
A moda é a “salvação possível” num cenário tão negro, reitera a mesma criadora. “Toda a gente dizia que a beleza salva o mundo, agora sei que é mesmo verdade”, defende. Com as criações femininas e românticas que caracterizam a sua assinatura tenta contribuir para essa salvação. Nas últimas colecções tem utilizado conchas e peixes, também inspirada pela vida em Portugal, mais perto do mar. “Já comecei a utilizar apliques de peixes em 2019 e mal sabia que acabaria por vir para Lisboa. Não consigo deixar de pensar como o nosso passado já está ligado ao nosso futuro.”
Apoiar a economia
Apesar de estar longe de Ucrânia, é lá que Darja Donezz mantém toda a equipa de costureiras. “Demorei muito tempo a construir o meu negócio. É mais do que as pessoas que trabalham para mim ─ são amigos que não posso deixar”, frisa. Nadya Dzyak completa: “É como se fossem a nossa família e parte da nossa economia é sustentada pelo têxtil.”
A Semana da Moda Ucraniana diz que não se conhecem dados concretos sobre quantas pessoas trabalham na indústria têxtil na Ucrânia, mas os criadores lembram como muitas marcas surgiram, nos últimos dois anos, para produzir vestuário mais confortável e até de protecção. Outras, com uma vertente de moda de autor, continuam a produzir para as encomendas internacionais, para compensar o abrandamento do mercado nacional.
Fomentar esse mercado internacional é também um dos motivos por que, desde 2022, a Semana da Moda Ucraniana tem marcado presenças nas congéneres internacionais, de Berlim, a Budapeste, Copenhaga, Londres ou agora Lisboa. “É importante para nós apoiar designers ucranianos e as equipas porque estão a criar enquanto acontece a destruição”, frisa Lisa Ushcheka, responsável pela comunicação internacional do certamente ucraniano, fundado em 1997. E insiste: “É esta a única forma de os designers ucranianos sobreviverem e salvarem as suas empresas.”
Para Nadya Dzyak, o desfile deste domingo na ModaLisboa é também uma oportunidade de se apresentar aos clientes portugueses. A marca da criadora, que se distingue pelos folhos e transparências, vende-se em Lisboa, na loja multimarcas Conceptica. “Temos muitos clientes e é importante mostrarmos a colecção pessoalmente.” Já Darya vê a oportunidade como um acenar ao mercado que ainda não conquistou, apesar de morar em Portugal. “É como dizer: ‘Olá, estou aqui!’”
“Estou um bocadinho nervoso, mas é uma emoção boa. É o meu primeiro desfile, é mesmo bom”, confessa Kostiantyn Omelia, que estará a mais de quatro mil quilómetros de distância. E ambiciona: “Já tenho recebido seguidores portugueses no meu Instagram. Poderão vir a ser os meus primeiros clientes de Portugal.”
Em Agosto, os três criadores esperam voltar a pisar a passerelle na Ucrânia. A Semana da Moda Ucraniana acaba de anunciar que, dois anos depois, voltará a pôr o evento de pé, “numa localização com abrigo para bombas”. Nadya Dzyak conclui: “Criar é uma questão de vida ou de morte. Não temos medo!”