Será que podemos dar conteúdo à forma?

O que leva os eleitores a absterem-se de votar? Está na hora de privilegiar as ideias e não a partidarite cega.

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Quando pensamos em política, estamos desde logo inclinados para duas coisas distintas: a primeira será rejeitar tudo o que possa ser considerado político porque vem de um sítio sujo que ninguém decente quer tocar; a segunda será para nos colocarmos do lado de um partido ou ideologia. Sei que estou a simplificar, mas são as opiniões que se ouvem com demasiada frequência. Podemos descartar a primeira visão como sendo demasiado simplista, de quem ignora o que é a política. No entanto, não invalida que seja assim e que estas pessoas sejam as mesmas que votam em branco, que votam em partidos de protesto ou que simplesmente não votam.

Não me parece que tenhamos, desta forma, uma democracia segura e, como é óbvio, não podemos colocar a culpa na falta de interesse na participação política de quem vota ou não vota. Não podemos culpar um sintoma pela doença. O fenómeno do desinteresse na participação política tem tudo que ver com a forma como a política tem vindo a ser praticada. A partidarização cega leva a um crescente desinteresse porque cria a sensação de elitismo, o que abre a porta a teorias da conspiração. A crispação crescente que vemos, não só em Portugal, mas pela Europa e pelo mundo, não advém da falta de informação ou de interesse. Muito pelo contrário, já que nunca tivemos tanta informação disponível e tão facilmente consultável.

Então, a pergunta terá de ser novamente feita: o que leva os eleitores a absterem-se de votar? A resposta está na pergunta que dá título a este artigo. É necessário dar conteúdo à forma. Dos debates às intervenções mais corriqueiras, a forma do discurso tem sido privilegiada em relação ao conteúdo. As poucas ideias que circulam e que chegam aos eleitores são vagas, dispersas num mar de comparações e acusações que põem em causa o que o adversário apresenta apenas porque é necessário demonstrar a incompetência e a falta de visão do inimigo.

Esta forma de fazer política ignora algo que numa democracia plena é indispensável: o outro à nossa frente não deve ser tratado como inimigo se esse outro for também um democrata. Quero ser claro neste ponto: há vários inimigos da democracia a aproveitarem-se das suas fragilidades, neste momento. Basta observar como certos partidos utilizam o discurso de ódio permanentemente, que utilizam o ressentimento e a vergonha que advêm de uma sucessão de crises económicas e sociais e a forma como tentam dividir a sociedade num abstrato nós contra eles. Não haja dúvidas de que temos inimigos da democracia entre nós e não haja dúvidas de que devem ser combatidos. Mas quando tratamos como inimigos aqueles que partilham dos mesmos valores democráticos apenas por se posicionarem à direita ou à esquerda do espectro político, caímos num erro tremendo que os verdadeiros inimigos da democracia vão certamente capitalizar.

É nisto que a política partidária muitas vezes falha. Se pensarmos os nossos adversários como inimigos e não como potenciais aliados que, apesar de terem soluções diferentes das nossas, estão também a querer melhorar a democracia e a vida de quem vive neste pequeno país, então tudo é válido. Perde-se o respeito pelo outro, perde-se a capacidade de unir as pessoas em prol do bem comum e criam-se as condições necessárias para que a democracia morra cada vez mais rapidamente.

Posto isto, a única coisa a que posso apelar é que, mais do que à forma de combate partidário, estejam atentos ao conteúdo das ideias e do discurso político para que depois de 10 de março possamos todos gritar vitória, não da direita ou da esquerda, mas da democracia, do 25 de abril e, mais importante ainda, de Portugal.

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