Isza e Bárbara Atanásio são o Sangue Novo e querem destacar-se na “aldeia” da moda portuguesa
O primeiro dia de desfiles na 62.ª ModaLisboa, no Pátio da Galé, ficou marcado pela final do concurso de jovens talentos.
Lá fora, ouve-se Quim Barreiros, na Praça do Município, para assinalar o final da campanha eleitoral. São dois passos até ao Pátio da Galé, onde a política só entra em forma de roupa. “Esta edição da ModaLisboa é uma resposta aos desafios contemporâneos. Fazer o bem pelas pessoas, pela cidade, pelo planeta. E começamos pelo que será o futuro”, anuncia-se no microfone. Minutos depois, a passerelle enche-se e Isza e Bárbara Atanásio saem vencedoras do Sangue Novo.
Desde 1996, é pelo concurso de jovens talentos que se inicia a ModaLisboa. Isza é o nome artístico da jovem Ana Luís Marinho, de 23 anos, que arrecadou o primeiro prémio: um mestrado em gestão de moda no Istituto Europeio di Design (IED), em Florença, Itália, no valor de 24 mil euros. Sem mostrar presunção, a jovem de Braga confessa ao PÚBLICO, no rescaldo do desfile, que estava “confiante” com o resultado da colecção de seis coordenados preparados ao longo dos últimos seis meses.
“Confrontar o desconforto de não saber” era o mote, que se materializou na exploração tecnológica dos materiais em três dimensões. “A rede é impressa em 3D e quis trazer uma variedade de técnica ao explorar vários tipos de filamentos”, explica a criadora. Há uma espécie de malha metálica que se movimenta ao ritmo dos passos e uma rede arejada utilizada em tops femininos ou até em saias, a revelar o corpo das manequins.
Apesar do lado tecnológico e se sentir “a caminhar às cegas”, o resultado da colecção de Isza é passível de ser usada e urbana, com clássicos do guarda-roupa feminino, como a minissaia ou um colete de “alfaiataria”. Interessada no lado conceptual desta exploração, a jovem, que estudou na Modatex do Porto, preocupa-se simultaneamente com o lado prático das suas criações. “A moda tem de vender, é para ser usada e tem de ser funcional. Mas também pode ser inovadora.”
A inovação é o que acredita vir trazer ao (pequeno) mercado português. “No design, nunca conseguimos inventar peças novas, mas conseguimos inovar o que já existe”, declara, propondo estes materiais 3D como um dos caminhos para uma moda mais sustentável. “Nunca vamos conseguir substituir as tradicionais fibras têxteis, mas é uma óptima alternativa no sentido em que não tem os gastos de água que a indústria da moda tem.”
Futuro em Portugal?
Isza foi a primeira vencedora eleita pelo júri, presidido pelo criador Miguel Flor, Joana Jorge, gestora de projecto da ModaLisboa; o designer João Magalhães; Adriano Batista, da revista Fucking Young; Ana Tavares, CEO da RDD; e Olivia Spinelli, da Escola de Moda IED. Eram também finalistas Diogo Mestre, Gabriel Bandeira (M.Plateau), Maria do Carmo Studio e Çal Pfungst.
Como segunda premiada, o painel elegeu Bárbara Atanásio, que terá oportunidade de estagiar durante três meses na RDD Textiles, em Barcelos, para o desenvolvimento de uma colecção em nome próprio que apresentará na próxima ModaLisboa, em Outubro. “Acho que os designers têm de se aproximar da indústria e, por vezes, para nós jovens é difícil. Portanto, fico muito contente de ter esta oportunidade”, celebra.
Momentos antes, a passerelle enchia-se da sua Neo-nostalgia, um sentimento que acredita definir a geração Z, "inebriada" pelo mundo digital. “É o repensar do sentimento nostálgico que estamos a sentir em termos globais. Mas é engraçado porque temos nostalgia de sensações e vivências que não são nossas”, reflecte, dando, como exemplo “as pessoas que usam T-shirts de bandas que não conhecem as músicas”.
A alusão ao tema não foi tão literal, mas Bárbara Atanásio desenhou um conjunto de gangas descoloradas (a fazer lembrar a dupla Marques’Almeida, com quem esteve a estagiar), numa desconstrução de formas e sobreposições “mil-folhas”, com toques artesanais de crochê. “São peças chave de tribos urbanas, como o grunge. Mas é um grunge polido, que não cheira a cerveja, não esteve nas ruas e não tem pó”, detalha.
O lado de manipulação têxtil nota-se como uma das marcas da assinatura em construção de Bárbara Atanásio, que estudou têxteis na Escola António Arroio, em Lisboa, seguida de uma licenciatura em História, que lhe trouxe “o gosto pela pesquisa”, fundamental à moda de autor. Depois do estágio na indústria, espera ter oportunidade de trabalhar com outros designers portugueses, antes de lançar oficialmente o projecto em nome próprio. “Integrar projectos que me apaixonem, ao lado de pessoas com outros conhecimentos é muito enriquecedor.”
Afinal, diz Bárbara Atanásio, “a moda portuguesa é quase uma aldeia” e isso não é necessariamente mau. “Toda a gente se conhece e podemos trabalhar uns com os outros”, defende, apesar de confessar que gostava de ter alguma experiência no estrangeiro. Também Isza não vê a dimensão do mercado nacional como um obstáculo, mas uma oportunidade. “É um caminho aberto para mostrarmos que em Portugal fazem-se coisas diferentes”, termina.
Além da final do Sangue Novo, o primeiro dia de desfiles da 62.ª ModaLisboa ficou marcou marcado pelas apresentações de Luís Carvalho, Dino Alves e Ivan Hunga Garcia. Os desfiles seguem até domingo, 10 de Março, no Pátio da Galé.