Antigas burcas do Afeganistão são usadas em “peças de protesto” assinadas por Katty Xiomara

As peças utilizam burcas que foram abandonadas no aeroporto por mulheres que fugiram do Afeganistão. Para o projecto com a Amnistia Internacional, a designer inspirou-se também em poemas de protesto.

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Katty Xiomara utilizou o quadriculado típico dos véus integrais do Afeganistão DR
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A moda também pode ser veículo de protesto e Katty Xiomara é voz activa neste campo. Desta vez, a designer portuguesa juntou-se à Amnistia Internacional para dar voz às mulheres afegãs, transformando as burcas impostas pelos talibãs em peças de roupa. “É um grito de revolta e um orgulho enorme desfazer peças impostas pelo regime para anular a mulher e convertê-las em peças femininas”, diz a criadora ao PÚBLICO. O objectivo é também incentivar a assinatura de uma petição pela criminalização da repressão vivida pelas mulheres.

Apesar de terem escolhido o Dia Internacional da Mulher para lançar o projecto, Katty Xiomara recorda como já estão a trabalhar na iniciativa desde 2021, quando os talibãs assumiram o poder no Afeganistão e a vida das mulheres mudou radicalmente. Desde então, não só deixaram de poder participar na vida pública e política e prosseguir os estudos, entre outras restrições, como também passaram a ser obrigadas ao uso do véu integral.

O projecto, com assinatura de Katty Xiomara e consultoria da activista Zarifa Ghafari, utiliza as burcas abandonadas no aeroporto pelas mulheres que se viram forçadas a deixar o Afeganistão ─ de acordo com Agência das Nações Unidas para os Refugiados terão sido mais de 1.600.000 mulheres. “É um misto de sentimentos enorme. É surreal perceber o conteúdo opressivo que a peça tem”, reconhece a criadora, que confessa ter vestido uma burca, depois de meses a aprender sobre a cultura afegã com o apoio de Zarifa.

Desfazer as burcas foi “uma rebeldia”, com um resultado criativo interessante. Mas Katty não quis só talhar os véus e utilizá-los em novas peças como matéria-prima. “Quis perceber a cultura afegã do ponto de vista feminino e sentir através delas”, sublinha a criadora do Portugal Fashion. Como inspiração, utilizou a arquitectura do país, mas também o poema Memories of Light Blue da poetisa Nadia Anjuman. “Encontramos pequenos poemas que as mulheres escreviam em segredo. A palavra era meio de libertação.”

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Katty Xiomara Anna Costa

A arquitectura e as palavras formam um padrão que é impresso numa saia plissada com toques de azul-claro, tal como o poema. O azul é a cor por que são mais conhecidas as burcas e que a criadora mantém-no retirando-lhe o peso opressivo. “É uma cor que oferece segurança e tranquilidade. E tentei dar-lhe o positivismo que pretende.”

As burcas originais são utilizadas na camisa da colecção que é “a peça mais forte” por incluir o quadriculado, que é a “única janela de visão das mulheres e nem é directa”. Os bordados das burcas são mantidos na zona dos punhos e à volta do quadriculado. Há também um colete com um design semelhante. “A base era a cultura afegã onde, por questões culturais, as mulheres já cobriam mais a pele, mas sem opressão”, explica, detalhando que quis criar sobreposição para “possibilitar maior criatividade” na hora de vestir.

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Look for Freedom DR

Não que as peças vão ser vendidas, uma vez que o projecto não tem um objectivo comercial. “Se encontrarmos um propósito solidário, talvez avance no futuro. Por agora, são peças de protesto que podem ser requisitadas para vestir e juntarem-se à causa, fazendo burburinho”, assevera a designer, prometendo que a sua “missão” é constantemente lembrar os direitos das mulheres, não só a 8 de Março.

A petição da Amnistia Internacional está disponível para assinatura online, com o objectivo de “pressionar para que as condições de vida no Afeganistão sejam melhoradas”, sobretudo numa altura em que, devido ao surgimento de outros conflitos, “este tema tem caído no esquecimento público”, lembra a organização em comunicado. E termina: “Para que nascer mulher não implique ter de abdicar dos seus sonhos.”

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