Avaliação polígrafo: os ténis da Mariana Mortágua são da feira?

Hoje, o polígrafo torna-se indispensável para perceber se as pessoas que querem vir a tomar decisões em nome do país estão a dizer a verdade.

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Desde adolescente que adoro as eleições. Não por gostar ou perceber de política, mas por causa dos debates entre os líderes dos partidos. Nada conseguia concorrer com 45 minutos de adultos a discutir uns com os outros assuntos que não me diziam nada. Sempre adorei o drama, o diz que disse e especialmente o stress do único intérprete de língua gestual portuguesa a tentar traduzir toda aquela gritaria numa dança confusa que, mais uma vez, não me dizia nada.

Não obstante, não sou capaz de esconder a desilusão que sinto em relação ao facto de hoje muitos dos assuntos que são falados ainda não me dizerem nada. Sempre achei que, quando crescesse, seria uma pessoa muito culta e inteligente e que tudo aquilo me faria sentido.

Já não sou uma criança, apesar de ainda não ser uma adulta, pelo menos aos meus olhos e por ainda precisar do dinheiro dos meus pais para viver. Mas será que algum dia serei adulta nesse aspeto? Talvez os políticos consigam ajudar. Eu sei que estou aqui mais pela gritaria e confusão, mas fico preocupada com o facto de os partidos quererem discutir estes assuntos e eu não.

Todavia, o que me preocupa mais é a recente importância do polígrafo. Ainda me lembro quando o polígrafo se focava nas polémicas da Internet, e ajudava o espectador a distinguir a realidade da ficção, coisas que eu sempre achei serem tão distintas, mas que cada vez mais nos são apresentadas como coisas muito parecidas, por vezes quase indistinguíveis. Hoje, o polígrafo torna-se indispensável para perceber se as pessoas que querem vir a tomar decisões em nome do país estão a dizer a verdade ou, como os autores do polígrafo graciosamente dizem, a faltar à mesma.

De acordo com o polígrafo, todos os partidos menos um disseram mentiras em direto nos debates, para todo o país ouvir. Mesmo o santo partido da verdade apresentou argumentos considerados “verdadeiro, mas...” ou “impreciso”: a bem dizer, meias-verdades que, de acordo com alguns, são piores ainda que mentiras. Parece-me que, desde que comecei a seguir as legislativas em adolescente, eu cresci, mas os partidos não, e continuam naquela fase da infância onde acreditamos que algo é factual porque alguém nos disse uma vez e nos dá jeito.

Os comentadores passam horas a discutir quem ganhou o debate, mas é difícil porque talvez quem ganhe seja quem disser mais mentiras sem ser apanhado. Talvez o objetivo seja crescer o nariz ao ponto de dar um beijinho à esquimó ao líder do partido que se senta do outro lado da mesa. Talvez o objetivo seja gritar tanto por cima uns dos outros ao ponto de já ninguém ouvir as mentiras de ninguém. Talvez o objetivo seja deixar os eleitores a pensar que são eles que estão errados e não percebem nada disto.

Provavelmente estou errada, mas parece-me que os adultos que eu via a discutir na televisão em adolescente se comportam mesmo como adolescentes, e que os assuntos que eu sempre achei estarem para além do meu alcance cognitivo não passam de assuntos cuja análise não trará nada (nem de bom, nem de mau) para o país. Provavelmente estou errada, mas talvez esteja na altura de nos focarmos no que realmente importa: na educação (para além da dos filhos do Rui Tavares), na precariedade e solidão dos idosos (para além da avó da Mariana Mortágua), na posição do nosso país em relação aos conflitos mundiais (para além da opinião do Papa), e, mais importante de tudo, se os ténis da Mariana Mortágua são verdadeiros ou da feira, que aquela cor está esgotada há meses.

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